O ideal é que não exista parada cardiorrespiratória (PCR) inesperada em uma UTI. Mesmo assim, dado à gravidade dos pacientes, vez ou outra, precisamos lidar com essa intercorrência. A sistematização do atendimento é feita pela American Heart Association (AHA), por meio do Advanced Cardiovascular Life Support (ACLS). O ACLS protocoliza a sequência compressões torácicas, intercaladas com a administração de drogas vasoativas, com o objetivo de retorno à circulação espontânea.
Um paciente com parada cardiorrespiratória pode apresentar dois tipos de ritmo: “chocável” e “não chocável”. Os representandes do primeiro são a fibrilação ventricular (FV) e a taquicardia ventricular sem pulso (FV). Nesse caso, o tratamento é proceder à desfibrilação. No segundo (ritmos não chocáveis), citamos a assistolia e a atividade elétrica sem pulso. Frente a esse cenário, direcionamos o tratamento para a reversão das causas de base.
Como regra mnemônica das possíveis etiologias de AESP e assistolia, temos os “6Hs e 5Ts”: hipovolemia, hipóxia, hidrogênio (acidose), hipo/hipercalemia, hipotermia, tamponamento cardíaco, toxinas (intoxicação), tromboembolismo pulmonar, “trombose coronariana” (infarto agudo do miocárdio), “tórax hipertensivo” (pneumotórax hipertensivo)
O grande desafio do atendimento ao paciente vítima de PCR é estabelecer o diagnóstico etiológico de uma causa potencialmente reversível em meio a um cenário estressante que algumas vezes pode se tornar desorganizado e pouco eficiente. A atual recomendação da AHA é utilizarmos o exame físico e o contexto clínico do paciente para aventarmos qual seria a causa mais provável para a PCR.
Não obstante, em termos práticos, o exame físico pode ser de difícil realização e alguns achados são comuns a mais de uma causa. Por exemplo, turgência jugular pode estar presente tanto no tamponamento cardíaco quanto no pneumotórax hipertensivo. Dessa forma, a ultrassonografia se desponta como potencial ferramenta para auxílio diagnóstico, prognóstico e terapêutico durante a PCR.
Cumpre-se dizer que a ultrassonografia não muda a maneira como o paciente é reanimado. A premissa é que o exame não comprometa o atendimento como preconizado pelo ACLS. Ele somente deverá ser iniciado após se garantir compressões torácicas de qualidade e após se estruturar um cenário de atendimento organizado.
Idealmente devemos contar com a presença de dois médicos durante o atendimento ao paciente em PCR. O mais experiente com a técnica de ultrassonografia ficará responsável pelo exame. Ele deverá selecionar o probe e o preset previamente (sugerimos que seja o probe setorial e o preset cardíaco). As imagens serão obtidas na incidência subcostal, durante os intervalos de até 10 segundos nas checagens de pulso. O posicionamento do probe nunca deve comprometer as compressões e tampouco retardá-las. Uma dica é ter papel-toalha em mãos a fim de limpar o excesso de gel e gravar as imagens no aparelho de ultrassom para posterior revisão e documentação.
Note a posição do probe, na janela subxifoide. O índex deverá estar apontado para a esquerda do paciente e a referência na tela do aparelho deve estar direcionada à esquerda.
O protocolo CASA (Cardiac Arrest Sonography Assessmet), publicado em 2018 por Kevin Gardner, pelo American College of Emergency Physicians, oferece uma sistematização da avaliação ultrassonográfica durante a PCR. Nele, buscamos por sinais de derrame pericárdico, de sobrecarga de ventrículo direito (VD) e avaliamos a atividade cardíaca nos intervalos de checagem de pulso. Concomitante às compressões, pesquisamos por pneumotórax hipertensivo e por líquido livre na cavidade abdominal. Veja o diagrama abaixo:
A presença de derrame pericárdico não necessariamente denota que há tamponamento cardíaco. Além disso, em casos de assistolia, a avaliação da função diastólica do ventrículo direito pode estar comprometida. Não obstante, a presença de colabamento do átrio e/ou do ventrículo direito deve ser levado em consideração e o tratamento (pericardiocentese) deve ser efetuado.
Para a avaliação de sobrecarga de VD, devemos avaliar a proporção do diâmetro de VD em relação ao diâmetro do ventrículo esquerdo (VE). Normalmente, o VD apresenta apenas 60% do diâmetro do VE. Uma relação acima de 60%, sobretudo quando o VD tem um diâmetro maior que o de VE, é um sinal específico de sobrecarga de VD, podendo ser um indicativo de tromboembolismo pulmonar (TEP). Outro sinal de sobrecarga é o deslocamento do septo interventricular para o lado de VE. No entanto esse achado pode ser difícil de reconhecer na incidência subcostal.
A atividade mecânica do coração é avaliada por último. Esse ítem foi colocado por último na sequência de atendimento pelo fato de que, nesse momento, já foi possível considerar e tratar as demais causas reversíveis, como acidose, hipoxemia, hipercalemia e hipovolemia, e a informação sobre a presença ou ausência de atividade mecânica cardíaca pode ser agregada a fim de se considerar a interrupção dos esforços de reanimação.
A atividade elétrica sem pulso (AESP) é uma entidade única, mas que engloba um espectro de apresentações, raramente relatado na literatura. Designamos AESP a existência de atividade elétrica cardíaca, detectada por meio da cardioscopia, mas a atividade mecânica é inexistente ou ela é por demais tênue para gerar pulso/ perfusão tecidual. Nesse sentido é necessário reconhecer a existência de duas entidades distintas: a pseudo-AESP e a paralisia cardíaca (cardiac standstill). Na pseudo-AESP, o pulso não é detectável à palpação, mas ao exame ultrassonográfico, nota-se a existência de alguma atividade mecânica. Já a paralisia cardíaca é a completa acinesia das paredes miocárdicas. Nesse caso, o prognóstico é muito reservado. Ou seja, a chance de retorno à circulação espontânea é muito pequena e a possibilidade de completa recuperação e alta para domicílio é mínima.
Em um estudo publicado em 2016 por Gaspari e colaboradores, foram observados 793 pacientes que se apresentavam com PCR à admissão em unidades de emergência. Desses pacientes, aqueles que se apresentavam com alguma atividade mecânica do miocárdio tiveram chance de receberem alta do hospital de 3.8%. Já aqueles que se apresentavam com paralisia cardíaca, a chance foi de apenas 0.6%.
Importante notar que, independente do atendimento médico, a ocorrência de PCR se correlaciona a um prognóstico reservado. Há mais chance de retorno à circulação espontânea quando a PCR foi presenciada, quando o atendimento se inicia prontamente e quando o paciente apresenta ritmos chocáveis de FV ou de TV sem pulso. Não há estudos comparando a técnica de reanimação cardiopulmonar com e sem ultrassonografia. A recomendação é seguir os passos preconizados pelo ACLS da AHA. A ultrassonografia é uma ferramenta útil e que pode agregar informações para o diagnóstico e prognóstico do paciente. Seu uso deve ser feito por médicos que tenham alguma experiência em ultrassonografia em contexto de cuidado para pacientes críticos, desde que não haja comprometimento da sequência padrão de atendimento.