TRAUMA RAQUIMEDULAR – REVISÃO RÁPIDA

 

Esse texto foi escrito pelo Dr. Phillipe Travassos (CRM-SP 188775) em parceria com o Dr. Miguel Cenacchi (CRM-SP 214242)

TRAUMA RAQUIMEDULAR – REVISÃO RÁPIDA

As sequelas decorrentes de Lesão Medular (LM) são extremamente limitantes e geram um custo de cuidados às vezes muito alto para estes pacientes e para o estado(16). A única maneira de melhorar a qualidade de vida dos pacientes vítimas de Trauma raquimedular (TRM) é realizar a prevenção primária destes eventos(17).

O TRM inclui lesões aos componentes da coluna vertebral em todas as suas partes: ossos, ligamentos, medula espinal, disco intervertebral, vasos sanguíneos ou raízes nervosas. Quando os elementos que compões o sistema estrutural não são capazes de exercer sua função protetora, há instabilidade de coluna, definida como: perda da capacidade da coluna de manter seus padrões fisiológicos de deslocamento quando submetida a condições normais de tensão (18).

 

Epidemiologia

A incidência de TRM no Brasil é desconhecida pois não está sujeita a notificação e existem poucos estudos e dados publicados a respeito. Estima-se que existam mais de 10 mil casos novos de TRM por ano. A média brasileira é de 71 novos casos por milhão de habitantes. Há predomínio de homens, entre 18 e 35 anos. Nas mulheres os casos ocorrem em sua maioria antes dos 30 anos(19).

Cerca de 45 a 60% dos eventos envolvem a coluna cervical, 25 a 35% a coluna torácica, 15 a 20% a coluna lombar e 4 a 6% a região sacrococcígea(19).

 

Fisiopatologia

Há inicialmente lesão mecânica decorrente de compressão, penetração, laceração, cisalhamento e/ou distração. De uma maneira geral, quando o mecanismo de trauma causa flexão há lesão de estruturas anteriores e quando o trauma causa extensão há lesão das estruturas posteriores e dos ligamentos anteriores. A rotação é resultado de uma somatória de forças e tendem a cursar com lesões com maiores danos estruturais(17).

Até 70% do impacto é absorvido pelos discos intervertebrais, independentemente do mecanismo de trauma, de forma que os discos estejam sujeitos a perda de sua integridade funcional(19).

A lesão primária dá início a vários mecanismos de lesão secundária que levam a diminuição do fluxo sanguíneo, perda da autorregulação, perda da microcirculação, vasoespasmo, trombose, hemorragia, distúrbios eletrolíticos, perda da integridade da membrana celular, edema, acúmulo de neurotransmissores, liberação de ácido araquidônico, produção de prostaglandinas, radicais livres e peroxidação lipídica. Todos esses mecanismos levam a lesão axonal e morte celular(16,17). Podemos dividir as fases de lesão aguda em inicial, que se inicia no momento do trauma e dura de minutos a horas e subaguda, iniciada nos primeiros dias e evoluindo até algumas semanas após o trauma.

Quando há lesão axonal cervical, os pacientes podem evoluir com insuficiência respiratória e disfunção pulmonar. Quando gravemente feridos ocorre uma redução na capacidade vital e capacidade inspiratória levando a hipoxemia global, agravando a isquemia da medula após a lesão. Também pode haver hipotensão que agrava ainda mais a isquemia medular e diminui o fluxo sanguíneo cerebral.

Devido a organização neuronal e axonal da medula, podemos caracterizar síndromes cervicais através das regiões acometidas: Síndrome Medular Anterior, Síndrome Medular Posterior, Síndrome Centromedular, Síndrome de Secção Medular e Síndrome de Brown-Séquard (hemissecção da medula).

Abordagem e classificação

O diagnóstico precoce do TRM é fundamental para que haja evolução favorável. Para garantir que se suspeite de LM e instabilidade, o ATLS e o Prehospital Trauma Life Support (PHTLS) orientam a fixação da coluna cervical com o colar e a utilização de prancha rígida, ainda no local do acidente, que devem ser retirados apenas após garantia de integridade da coluna(20,21).

Ao examinar um paciente vítima de TRM é importante avaliar sensibilidade e motricidade  conforme as tabela e figura a seguir:

 

Para classificar o TRM a mais difundida ferramenta é a escala de desabilidade da American Spinal Injury Association (ASIA), que classifica as lesões em 5 graus:

A – Completa: nenhuma função (motora e sensitiva) a nível de S4-5;

B – Sensibilidade Incompleta: sensibilidade preservada, sem função motora abaixo do nível de lesão, incluindo o segmento sacral e nenhuma função motora preservada a mais de 3 níveis abaixo da lesão;

C – Motora Incompleta: função motora preservada abaixo do nível da lesão e mais da metade dos músculos principais abaixo do nível da lesão apresentam força muscular menor que 3;

D – Motora Incompleta: função motora preservada abaixo do nível da lesão e mais da metade dos músculos principais abaixo do nível da lesão apresentam força muscular maior ou igual a 3;

E – Normal: sem nenhuma alteração motora e sensitiva em qualquer nível(23).

As consequências do TRM afetam diversos sistemas, de forma que o tratamento deve ser sistematicamente organizado para evitar potenciais complicações, à semelhança do TCE(16,17).

Sistema respiratório: responsável por 18-30% da mortalidade dos pacientes que permanecem com tetraplegia após o TRM e principal causa de morte na fase aguda precoce da lesão medular. Ocorre paralisia dos músculos intercostais e acessórios da respiração e, quando a lesão envolve C4 ou a cima, há paralisia do nervo frênico que controla o diafragma. O uso de broncodilatadores, a aspiração da secreção pulmonar, a fisioterapia torácica e a umidificação da via aérea podem auxiliar na performance pulmonar destes pacientes. Além disso, a intubação orotraqueal (IOT) e a ventilação mecânica não invasiva podem ser empregadas. A traqueostomia precoce reduz complicações relacionadas à IOT e é indicada para a recuperação do espaço morto(24).

Sistema cardiovascular: muitas vezes existe confusão entre os choques neurogênico e medular. O choque neurogênico é caracterizado por hipotensão e bradicardia decorrentes da interrupção do estímulo simpático, estando associado a lesão das fibras medulares, principalmente em lesões a cima do nível de T6, de forma que o estímulo vagal reduza a frequência cardíaca e o tônus vascular, resultando em acúmulo sanguíneo no sistema venoso. O choque neurogênico responde a ressuscitação volêmica e eventualmente é necessário o uso de drogas vasoativas para a estabilização destes indivíduos(24).

O choque medular é decorrente a diferentes manifestações do TRM. A lesão medular decorrente do TRM interrompe a função de vias aferentes e eferentes do SNC. As principais manifestações iniciais do choque medular completo são arreflexia e flacidez gradualmente substituídas por hipertonia, hiperreflexia e espasticidade. O tempo dessa transição pode durar entre dias e semanas. A apresentação imediata da hiperreflexia e espasticidade geralmente está associada a piores prognósticos(24).

Sistema gastrointestinal: a ausência do estímulo simpático pode gerar diminuição da peristalse. Para evitar distensão do intestino delgado é importante retardar a dieta desses pacientes. No caso de existir interferência no sistema respiratório por conta da distensão intestinal, é indicado o uso de sonda nasogástrica. Além disso, os pacientes vítimas de TRM estão em risco de desenvolver úlceras gástricas de estresse, portanto é indicado o uso de bloqueadores de H2(24).

Sistema gênito-urinário: durante o choque medular os pacientes podem apresentar atonia e flacidez vesical. É indicada a sonda vesical de demora (SVD) por 3 a 4 dias seguida pela sonda vesical de alívio, mantendo diurese <500mL por esvaziamento. Também podem apresentar priapismo, decorrente de disfunção nas raízes sacrais, assim como alteração no reflexobulbo-cavernoso.Como as infecções do trato urinário são extremamente comuns nestes pacientes, na presença de febre está indicada a cultura de urina e antibioticoterapia com espectro adequado para os principais germes que acometem as vias urinárias(24).

Por consequência da redução de mobilidade, estes pacientes estão sujeitos a úlceras de decúbito e eventos tromboembólicos. A prevenção de úlceras apresenta pouco resultado quando mobilizamos o paciente vítima de TRM em bloco no leito, sendo indicado o uso de colchões especiais e curativos hidrocoloides. A anticoagulação profilática é recomendada e deve ser iniciada nas primeiras 72 horas com heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular(24).

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