Tempo é néfron?

Um dos procedimentos mais recorrentes dentro dos ambientes de terapia intensiva é a hemodiálise. Diversos mecanismos justificam a disfunção renal em pacientes críticos e a indicação de algum tipo de terapia renal substitutiva. Não obstante, o melhor momento para iniciá-la ainda é tema de debate.

Quando há alterações metabólicas e hidroeletrolíticas, como acidose e hipercalemia, existe um consenso geral sobre a necessidade de hemodiálise. No entanto, quando a disfunção renal não é acompanhada por esses comemorativos, paira a dúvida sobre os benefícios de seu início precoce.

Se por um lado, seu início precoce ajuda a manter a  homeostase, controle de hipervolemia e redução de exposição a escórias nitrogenadas; uma terapia renal substitutiva de início tardio oferece o benefício de não expor o paciente aos efeitos adversos do procedimento, em um cenário cuja disfunção renal é potecialmente reversível.

Em julho de 2020, foi publicado pelo The New England Journal of Medicine o estudo STARRT-AKI. Esse ensaio clínico aberto e randomizado teve o objetivo de avaliar se o inicio precoce da terapia renal substitutiva poderia promover redução de mortalidade em 90 dias quando comparado ao seu início tardio.

Os critérios de inclusão foram pacientes internados em unidade de terapia intensiva, elevação da creatinina sérica ≥1.13mg/dL para mulheres e ≥1.47mg/dL para homens e disfunção renal aguda, compatível com KDIGO II ou III.

Como critérios de exclusão foram adotados: presença da urgência dialítica, doença renal crônica avançada, necessidade de diálise previamente, causas incomuns de disfunção renal aguda.

No grupo intervenção, também chamado de estratégia acelerada, foi preconizado o início precoce de hemodiálise (nas primeiras 12 horas após coletado o termo de consentimento).

Para o grupo controle, foi adotada a estratégia usual, na qual era recomendado somente iniciar a terapia renal substitutiva em casos de K sérico > 6mmol/L, bicarbonato sérico < 12mmol/L, hipervolemia, disfunção respiratória com relação PaO2/FiO2 < 200, ou caso a disfunção renal persistisse por mais de 72 horas após a randomização.

O desfecho primário foi a mortalidade em 90 dias. Não houve diferença estatisticamente significativa entre ambos os grupos:

  • Grupo intervenção: 43.9%
  • Grupo controle: 43.7%

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Para pacientes sobreviventes aos 90 dias, a taxa de dependência de terapia renal substitutiva era de 10.4% no grupo de estratégia precoce e de 6.0%, com risco relativo de 1.74, IC=1.24 a 2.43.

Não houve significância estatisticamente significativa em relação ao número de dias livres de diálise. No entanto, os pacientes do grupo de diálise precoce tiveram uma internação em UTI mais curta, sem, contudo, haver diferenças quanto ao número de dias livres de ventilação mecânica, dias livres de drogas vasoativas e dias fora da UTI em 28 dias de observação. Pacientes no grupo intervenção tiveram maior risco de re-hospitalização.

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Eventos adversos foram mais comuns em pacientes alocados no grupo de diálise precoce (23%) em relação ao gruo de diálise tardia (16.5%). Os eventos adversos mais comuns foram hipotensão e hipofosfatemia.

A decisão de iniciar a terapia renal substitutiva não é facil e deve levar em consideração diversos aspectos. Talvez uma estratégia mais conservadora seja a mais satisfatória, dentro da visão de que a terapia intensiva tem se tornado progressivamente menos invasiva. Ao mesmo tempo, postergar a diálise para o dia seguinte pode expor o paciente a um procedimento mais agressivo, já que maiores fluxos de sangue e de dialisato podem se fazer necessários para o adequado clareamento de escórias.

 

Timing of Initiation of Renal-Replacement Therapy in Acute Kidney Injury, The STARRT-AKI Investigators, for the Canadian Critical Care Trials Group, the Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group, the United Kingdom Critical Care Research Group, the Canadian Nephrology Trials Network, and the Irish Critical Care Trials Group, n engl j med 383;3 nejm.org July 16, 2020

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