Qual o papel da vasopressina no choque séptico?

A vasopressina, também conhecida como hormônio antidiurético, é um hormônio natural produzido pelo hipotálamo e secretado pela neuro-hipófise.  Tem meia-vida plasmática de 5-15 min e o seu clearance depende das vasopressinases renais e hepáticas.

Após a estimulação apenas 10-20% do hormônio armazenado pode ser imediatamente liberado para a circulação. Sua secreção é regulada por três mecanismos:

  • Osmolalidade plasmática – Mecanismo mais sensível. O aumento da osmolalidade é percebido pelos receptores hipotalâmicos levando ao aumento dos níveis plasmáticos de vasopressina. Uma redução de 2% da água corporal dobra os níveis de vasopressina sérica.
  • Volume e pressão sanguínea – A hipovolemia e hipotensão estimulam os receptores atriais e barorreceptores carotídeos, levando a secreção de vasopressina.

Pode atuar nos seguintes receptores:

  • V1a – localizados na musculatura lisa dos vasos gerando vasoconstrição. Sua ativação também leva a agregação plaquetária.
  • V2 – localizados na superfície basolateral das células tubulares renais, principalmente nos ductos coletores. Induz a abertura dos canais de aquaporina 2, aumentando a permeabilidade da membrana epitelial à água e sua consequente reabsorção. A ativação de receptores V2 extra renais também induz a liberação de fatores de coagulação.
  • V1b – localizados na hipófise anterior e no pâncreas, estimulando, respectivamente, o eixo corticotrópico (aumento de cortisol) e a secreção de insulina.

vaso

 

Vasopressina e o choque séptico

Na fase inicial do choque os níveis séricos de vasopressina endógena aumentam transitoriamente, mas logo começam a cair, tornando estes pacientes hipersensíveis a vasopressina exógena.

A vasopressina exógena é um potente vasoconstritor. Ela produz aumento isolado da resistência vascular periférica e pode levar a redução do débito cardíaco (DC) em pacientes com disfunção ventricular, devido ao aumento da pós-carga cardíaca. A droga também tem o risco teórico de causar vasoconstrição coronariana, apesar de estudos em modelo animal com infusão de baixas doses de vasopressina, terem levado a redução de frequência e DC, sem elevar os níveis de troponina e nem alterar o relaxamento cardíaco.

A distribuição dos receptores V1a na circulação renal é heterogênea e seu efeito vasoconstritor se dá principalmente nas arteríolas eferentes, aumentando a taxa de filtração glomerular. A droga também induz a vasoconstrição de vasos cutâneos, podendo levar a lesões isquêmicas quando usada em doses mais altas. Em cenários de acidose metabólica importante os agonistas alfa 1 (noradrenalina e adrenalina) tornam-se menos efetivos, o que não acontece com a vasopressina, tornando esta uma droga interessante neste contexto.

A dose é independente do peso e 0,01 U/min equivalem a 5µg/min de noradrenalina. As doses habituais utilizadas na prática clínica variam entre 0,03-0,04U/min e valores maiores que 0,1 U/min devem ser evitadas pelo alto risco de isquemia mesentérica.

Evidências para o uso de vasopressina

O maior estudo sobre a vasopressina no choque séptico foi o VASST que comparou doses baixas da droga (0,01 a 0,03 U/min) com noradrenalina. O estudo não demostrou redução de mortalidade geral em 28 dias (35,4% x 39,3%; p 0,26) ou aumento de eventos adversos (10,3% x 10,5%; p 1,00). Algo interessante foi que quando avaliados em grupos de casos de maior (> 15µg/min noradrenalina) e menor gravidade (< 15µg/min noradrenalina), a mortalidade neste último foi menor no grupo vasopressina (26,5% x 35,7%, p 0,05), sugerindo que talvez a droga deva ser associada à noradrenalina em uma fase mais precoce do choque e não apenas em  casos de choque refratário.

Uma análise post-hoc do estudo VASST observou que nos pacientes que tiveram choque séptico e foram tratados com corticoides, a vasopressina em comparação com a noradrenalina, foi associada a uma diminuição significativa da mortalidade (35,9% X 44,7%, p  0,03). Por outro lado, nos pacientes que não receberam corticoides, a vasopressina foi associada ao aumento da mortalidade em comparação com a noradrenalina (33,7% X 21,3%, p  0,06), sugerindo que a combinação de baixas doses de vasopressina e corticoides foi associada à diminuição da mortalidade e disfunção orgânica.

Outro estudo post-hoc avaliou 464 pacientes com lesão renal aguda (LRA), categorizando-os de acordo com a classificação RIFLE. Pacientes no estágio “risco” e tratados com vasopressina tiveram menor progressão para o estágio “lesão / falha” do que pacientes tratados com noradrenalina (20.8% x 39.6%; p = 0.03) e menor necessidade de terapia substitutiva renal (17.0% x 37.7%; p = 0.02), sugerindo que a vasopressina poderia ter impacto benéfico na função renal.

O potencial impacto do tratamento com hidrocortisona, juntamente com um potencial efeito benéfico da vasopressina na LRA, levou à elaboração do estudo VANISH.  Porém mesmo a vasopressina tenha mantido os níveis pressóricos, tenha diminuído a necessidade de noradrenalina e reduzido a necessidade de hemodiálise, os autores não conseguiram mostrar diferença em tempo livre de diálise e mortalidade quando comparou uso precoce de noradrenalina (até 12mcg/min) + corticoide ou placebo e vasopressina (até 0,06U/min) + corticoide ou placebo em pacientes adultos com choque séptico.

Claramente os dois estudos foram negativos em mostrar a superioridade da vasopressina, porém eles mostraram que ela não é inferior a noradrenalina e que sua administração não está relacionada a aumento de eventos adversos. A vasopressina é um potente vasoconstritor que pode ser adicionado como segunda ou terceira droga no choque séptico para aumentar a pressão arterial média do paciente e /ou reduzir os valores de noradrenalina.

 

Referências

  1. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31970567/
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25432872
  3. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18305265/
  4. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19237882/
  5. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19841897/
  6. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27483065/
  7. https://www.sccm.org/SurvivingSepsisCampaign/Guidelines/Adult-Patients

 

Texto escrito por Daniere Yurie Vieira Tomotani, médica intensivista pela UNIFESP, mestrado em Tecnologias e Atenção à Saúde pela UNIFESP, pós-graduação em neurointensivismo e em Cuidados Paliativos pelo Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa.

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