Punção venosa central guiada por ultrassonografia: jugular ou subclávia?

A punção de acessos venosos centrais (CVC) é uma prática recorrente na rotina hospitalar. Diariamente, os profissionais de saúde que trabalham em contexto de unidade de terapia intensiva (UTI), centro cirúrgico e sala de emergência são confrontados com situações nas quais a  instalação de uma linha venosa central se faz imperiosa: necessidade de drogas vasoativas, indicação de terapia renal substitutiva, administração de medicamentos flebitantes, falência de acesso venoso periférico, etc.

Não obstante, são marcantes as diversas complicações inerentes ao procedimento, sobretudo a ocorrência de hemotórax, pneumotórax e a possibilidade de infecções associadas ao cateter. Além disso, a própria dificuldade técnica decorrente de hipovolemia, situações de emergência e variações anatômicas próprias do paciente podem tornar a punção do acesso venoso central ainda mais desafiadora. Nesse ponto, o uso da ultrassonografia (USG), um recurso cada vez mais disponível em regime hospitalar, veio para tornar o procedimento mais seguro.

Em 2019 foi publicado pela revista Intensive Care Medicine o artigo intitulado “Complications in internal jugular vs subclavian ultrasoundguided central venous catheterization: a comparative randomized trial”. Esse estudo teve o objetivo de comparar a eficiência e a segurança da inserção de um cateter venoso central em veia jugular interna direita (VJID) com a inserção em veia subclávia direita (VSCD), ambas utilizando a técnica guiada por USG. O estudo foi conduzido em três hospitais terciários da Coréia do Sul, de fevereiro de 2012 a abril de 2018. Para tanto, foram selecionados pacientes internados a fim de se submeterem a cirurgias eletivas.

No entanto, chama a atenção a longa lista dos critérios de exclusão, sobretudo pacientes de emergência. Em outras palavras, o grupo de pacientes selecionados encontrava-se em situações ideais para a instalação do cateter venoso central.

Lista de critérios de exclusão:

  • Pacientes com histórico de cirurgia prévia no local de canulação do CVC
  • Presença de CVC nas últimas 72 horas no local previsto para a inserção atual
  • Sinais de infecção ou hematoma no sítio de punção
  • Trauma cervical recente, ou cirurgia com necessidade de imobilização cervical
  • Indícios laboratoriais de distúrbio da coagulação (INR>2, Plaquetometria < 50.000/mL)
  • Cirurgia de emergência
  • Histórico de múltiplas inserções de CVC previamente (≥ 3) no local eleito para a inserção atual
  • Deformidades da parede torácica, ou variações anatômicas do sítio de punção

Dessa forma, 1.484 pacientes foram randomizados para dois grupos: o de inserção do cateter em veia jugular interna direita (VJID) ou o de inserção em veia subclávia direita (VSCD). A canulação era realizada em centro cirúrgico, por um médico anestesiologista experiente (pelo menos 200 inserções em VJID e pelo menos 50 em VSCD previamente) e somente após o paciente já estar sedado e intubado.

Todo o procedimento era feito utilizando-se a técnica de Seldinger. Era respeitada a técnica asséptica, com degermação da pele, uso de campos estéreis e cobertura do probe do ultrassom com capa estéril. A diferenciação do leito venoso do arterial era feita por meio do doppler colorido. A posição da agulha era acompanhada pela imagem ultrassonográfica, bem com a posição do fio-guia após sua inserção intravascular. Quando a primeira ou a segunda tentativa eram inefetivas, procedia-se a compressão do sítio de punção por três minutos.

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O desfecho primário era a taxa total de complicações (composto por hemotórax, pneumotórax e punção arterial) em cada um dos grupos. Secundariamente, eram analisados o número de tentativas, tempo necessário para o procedimento e se havia ocorrido mal posicionamento do CVC (ponta do cateter em algum local que não na veia cava superior).

A taxa de complicações totais não foi significativamente diferente entre os grupo da VJID (0.1%) e VSCD (0.7%), com p=0.248. No grupo VJID apenas uma punção arterial foi relatada e no VSCD,  ocorreram quatro punções arteriais e um pneumotórax.

O sucesso na primeira tentativa de punção foi significativamente maior no grupo VJID (98.4%) quando comparado do VSCD (95.9%), p=0.004. Além disso, o tempo necessário para a inserção do cateter foi maior (p<0.001), bem como o número de tentativas (p=0.006), no grupo VSCD.

Houve mais mal-posicionamentos dos cateteres no grupo VSCD que no grupo VJID (p<0.001). No grupo de inserção subclávia, o cateter foi inadvertidamente posicionado em VJID em 5.5% das tentativas e no tronco braquiocefálico em 0.4%. Para o grupo de inserção jugular, o cateter tomou a direção da VSCD em apenas 0.4% das tentativas.

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Como curiosidade, o tempo médio de permanência do CVC foi de 2 dias e não foram relatadas infecções relacionadas ao cateter.

Conclusão:

O estudo atual avaliou as complicações associadas à inserção de CVC em VJID ou em VSCD utilizando a técnica guiada por ultrassonografia. Em termos gerais, a taxa de complicações foi baixa em ambos os grupos, não havendo diferença estatisticamente significativa entre eles. No entanto, o tempo necessário para a instalação do dispositivo e o mal posicionamento do cateter foi maior e mais comum no grupo VSCD do que no grupo VJID.

O ponto de discussão aqui não é entre usar ou não o ultrassom (US). Mas sim quais sítios devem ser preferidos. E chama a atenção o fato de que a punção do acesso subclávio pode ser guiado por US e ainda assim sua técnica é pouco difundida.

O estudo atual foi feito em condições ideais de punção, realizada de modo eletivo, em centro cirúrgico, com o paciente sedado e intubado. Sabemos que tais condições nem sempre se aplicam ao contexto de terapia intensiva ou de medicina de emergência. Mas mesmo nas situações reais, devemos nos lembrar e, sempre que possível, aplicar a técnica correta.

Fazemos as seguintes recomendações:

  • Realizar um escaneamento venoso com o ultrassom em busca do melhor sítio de punção
  • Diferenciar o leito venoso do arterial por meio do doppler colorido
  • Utilizar a técnica asséptica, posicionar campos estéreis e cobrir todo o corpo do paciente
  • Acompanhar a ponta da agulha com o ultrassom e, após posicionado, conferir a localização intravascular do fio-guia
  • Em caso de três punções inefetivas, trocar de sítio de punção.
  • Em situações de emergência, preferir a cateterização femoral. Em um segundo momento, já com o paciente mais estável e de modo semi-eletivo, considerar a troca do cateter para outro sítio, jugular ou subclávio, com menor chance de complicação infecciosa
  • O melhor seria não utilizar CVC, mas se utilizar, questionar todos os dias se o paciente realmente necessita do dispositivo e retirá-lo o mais brevemente possível.

Caso você tenha dúvida sobre como utilizar a técnica de canulação subclávia por meio de ultrassonografia, não perca nossa próxima publicação, quando a descreveremos de modo pormenorizado!

 

Referência:

  • Complications in internal jugular vs subclavian ultrasound‑guided central venous catheterization: a comparative randomized trial, Hyun‑Jung Shin, Hyo‑Seok Na, Won‑Uk Koh, Young‑Jin Ro, Jung‑Man Lee, Yoon‑Ji Choi, Seongjoo Park and Jin‑Hee Kim, Intensive Care Med (2019) 45:968–976

 

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