Quando falamos sobre ventilação mecânica, logo vem à mente os modos ventilatórios básicos de pressão controlada (PCV), volume controlado (VCV) e de pressão de suporte (PSV). De fato, alterando alguns parâmetros ventilatórios e em posse de um par de gasometrias arteriais, conseguimos resolver a maior parte das assincronias e ajustar a ventilação de modo personalizado para o paciente.
No entanto, desde a popularização da ventilação mecânica com pressão positiva, na década de 1950, os dispositivos de ventilação têm passado por uma série de transformações que acompanharam tanto avanços da tecnologia digital quanto o desenvolvimento de modos ventilatórios inteligentes, capazes se adequarem automaticamente às necessidades do paciente.
Dessa forma, a restrição do conhecimento de médicos e de fisioterapeutas intensivistas aos modos ventilatórios básicos, embora de grande utilidade, pode ser considerado uma limitação no atual contexto onde se encontra o cenário da ventilação mecânica.
Essa é a primeira de uma série de três publicações cujo objetivo é realizar uma revisão sobre ventilação mecânica e sobre modos ventilatórios avançados. Vamos começar passando pela história da ventilação mecânica. Depois, estudaremos a evolução da interação entre paciente e ventilador mecânico, além da “anatomia” de um ventilador. Por fim, descreveremos os modos ventilatórios avançados que todos os que trabalham em uma UTI devem saber para dar aquele “show de conhecimentos”!
Desenvolvimento da Ventilação Mecânica
No século XVI, o anatomista Andrea Vesallius, em seu brilhante tratado De Humanis Corporis Fabrica, relatou o que pode ser considerado como a primeira descrição de intubação orotraqueal: o posicionamento de um tubo de junco dentro da traqueia de um animal e, literalmente, assoprar ar dentro de seus pulmões para mantê-lo vivo.
Ao longo dos séculos XVII e XVIII, foram feitas várias inferências sobre técnicas de reanimação cardiopulmonar. Nesse contexto, o reconhecimento da importância da respiração para a manutenção da vida, fez com que se iniciasse um esforço a fim de que fossem construídos dispositivos que garantissem a ventilação do paciente, mesmo que de forma artificial.
Os primeiros ventiladores mecânicos utilizavam princípios de pressão negativa ou, melhor dizendo, pressão sub-atmosférica. Um desses dispositivos herméticos e de pressão negativa é de 1864, de autoria de Alfred Jones. O paciente sentava dentro de uma caixa vedada que abrangia do seu pescoço para baixo. Havia um pistão que era utilizado para reduzir a pressão dentro da caixa e, dessa forma, proporcionar a inspiração.
Pouco tempo depois, em 1876, Alfred Woillez construiu um ventilador mecânico mais compacto e que pode ser considerado como o primeiro “pulmão de ferro”. Eles eram chamados de “spirophores” e a ideia era que eles pudessem ser disponibilizados ao longo das margens do Rio Sena para ajudar pessoas vítimas de afogamento.
Nele, havia uma espécies de haste cuja altura era ajustável e que ficava posicionada sobre o tórax do paciente a ser ventilado. O ajuste da altura dessa haste era utilizada a fim de restringir a expansibilidade torácica e, portanto, regular o volume corrente.
O primeiro pulmão de ferro a ser utilizado em larga escala foi construído por Drinker e Shaw durante uma epidemia de poliomielite que assolou a cidade de Boston, nos EUA, em 1929.
E finalmente, em 1926 em um relato quase que anedótico, foi estabelecida a primeira interação do ventilador mecânico com o paciente, através da câmara pneumática criada por Wilhelm Schwake. Nesse dispositivo, o paciente podia controlar a abertura do fole da caixa de ventilação, dentro da qual ele estava inserido, e assim regular seu próprio volume corrente.
A recrudescência da Poliomielite na década de 1950 foi um verdadeiro divisor de águas dentro da ventilação mecânica.
Em 1951 houve uma conferência sobre poliomielite na cidade de Copenhagen, na Dinamarca. No verão seguinte, essa cidade vivenciou uma importante epidemia da doença, possivelmente causada por algum portador assintomático do vírus durante a conferência do ano anterior.
Naquela época, a mortalidade da doença beirava os 90% e os médicos acreditavam que o óbito era decorrente de uma disfunção renal, já que os pacientes faleciam com hipertensão arterial e sudorese excessiva.
O brilhantismo de Bjorn Ibsen, um médico anestesiologista, recai no fato de que ele aventou que tais sintomas eram decorrentes de um quadro de insuficiência respiratória hipercápnica secundários à paralisia diafragmática ou bulbar. E, dessa maneira, propôs que os pacientes fossem precocemente traqueostomizados e ventilados com pressão positiva.
Virtualmente da noite para o dia, ele reduziu a mortalidade da poliomielite de 87% para 40%. E demonstrou de modo irrefutável o benefício da ventilação mecânica para pacientes críticos.
Por questões logísticas os pacientes foram alocados dentro de uma mesma sala. E temos aí, nessa dinâmica, com pacientes graves recebendo cuidados de saúde durante 24 horas por dia, em um mesmo ambiente controlado, a essência do que conhecemos hoje como Unidade de Terapia Intensiva.
Outro ponto importante é que, nesse momento da história, ainda não havia ventiladores mecânicos com pressão positiva e todo o trabalho foi feito por meio de ventilação manual. Durante a epidemia de poliomielite, 1.500 estudantes ventilaram os pacientes por ininterruptas 165.000 horas. Isso perfez 110 horas por estudante!
Em 1955 Claus Bang e Carl Engstrom desenvolveram o primeiro ventilador mecânico automático com pressão positiva e com ele, veio o desenvolvimentos os primeiros aparelhos de análise gasométrica do sangue arterial (gasômetros).
Na década de 1960, com a descrição da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) feita por Ashbaugh, foi demonstrada a importância da PEEP para manter os pacientes oxigenados. Os ventiladores mecânicos também incorporaram essa variável ventilatória em seus ajustes.
A década de 80 foi marcada por avanços tecnológicos e os ventiladores mecânicos se tornam progressivamente mais interativos por meio de interfaces intuitivas. Foram desenvolvidos modos ventilatórios avançados que permitiram melhor acoplamento e maior autonomia para o paciente.
Acesso também:
Parte II: Anatomia do ventilador mecânico.
Parte III: Modos avançados de ventilação mecânica.
Referências
- ATS Discoveries Series, History Of Mechanical Ventilation, Arthur S. Slutsky, American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine Volume 191 Number 10 | May 15 2015
- Trends in mechanical ventilation: are we ventilating our patients in the best possible way? Rafaelle L. Dellaca, Breathe | June 2017 | Volume 13 | No 2