Oxigene suas ideias: um pouco sobre ECMO – Parte 2

Essa é a segunda parte de nossa série de publicações cujo objetivo é introduzir alguns conceitos básicos sobre a membrana de oxigenação extra-corpórea (ECMO). No texto anterior, compreendemos como esse dispositivo consegue drenar o sangue venoso do paciente e direcioná-lo para uma membrana de trocas gasosas. O resultado é o retorno de um sangue oxigenado para o paciente. Vimos ainda as funções de suporte pulmonar, feito por uma canulação veno-venosa, e de suporte cardio-pulmonar, a partir de uma canulação veno-arterial.

Agora, nosso objetivo é o de apresentar os princípios de monitorização durante o funcionamento de uma ECMO.

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A depender do ajuste feito sobre o número de rotações da bomba centrífuga, toda a volemia do paciente passa através do circuito de ECMO em apenas um minuto. Ou seja, o débito oferecido pela bomba é muito grande. Dessa maneira, qualquer intercorrência sobre a hemodinâmica do paciente pode afetar o funcionamento do dispositivo, levando a consequências, por vezes, importantes.  O reconhecimento precoce dessas intercorrências, e sua devida correção, deve fazer parte das habilidades de todos os profissionais que trabalham em uma UTI.

Os problemas de fluxo sanguíneo pelo circuito de ECMO são os mais recorrentes. No diagrama abaixo, notamos que existem três pontos de monitorização da pressão ao longo do circuito: P1, P2 e P3. As variações de pressão nesses três pontos serve como baliza para nos guiar se o problema de fluxo encontra-se no paciente, no funcionamento da bomba centrífuga ou na membrana de oxigenação.

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A pressão aferida em P1 é chamada de pressão pré-bomba. Ela se interpõe entre a cânula venosa e a bomba centrífuga e representa a pressão de drenagem do sangue do paciente. Seu valor é sempre negativo.

Em P2, temos a pressão pré-membrana. Ela se refere à pressão que o sague exerce nas paredes da cânula quando ele é empurrado pela bomba centrífuga até a membrana de oxigenação. Seu valor é sempre positivo e menor que o valor no ponto P3.

Por fim,  P3 representa a pressão pós-membrana.  P3 se localiza entre a membrana de oxigenação e o paciente. Podemos interpretá-lo como a dificuldade que o dispositivo tem de retornar o sangue para o paciente, quer seja no seu leito venoso, quer seja no seu leito arterial.

De uma maneira simples e direta, podemos dizer que tudo o que aumenta a pré-carga da bomba centrífuga, facilita o fluxo sanguíneo pelo circuito de ECMO: a volemia do paciente, o tônus venoso, posição da cânula venosa, além de seu diâmetro e comprimento.

De modo contrário, o que aumenta a pós-carga da bomba, dificulta o fluxo sanguíneo: resistência da membrana de oxigenação (geralmente causada por trombos), resistência vascular sistêmica (na ECMO veno-arterial), resistência vascular pulmonar (na ECMO veno-venosa), bem como a posição, diâmetro de comprimento da cânula de retorno.

Vamos, agora, considerar quatro cenários distintos e, através da monitorização de P1, P2 e P3, vamos desvendar onde está o problema de fluxo. Lembre-se apenas de que o valor de P1 é sempre negativo.

Cenário 1: todas as pressões estão baixas (P1 está mais negativo).

Nesse caso, quando todos os valores estão baixos, há dificuldade de drenagem do sangue do paciente e o problema está em seu leito venoso. As principais causas são: hipovolemia, tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo ou posicionamento inadequado da cânula venosa.

Cenário 2: P1 está mais elevada (menos negativa), P2 e P3 estão mais baixas.

Agora o sangue até consegue ser drenado do paciente, mas a bomba centrífuga não consegue gerar fluxo sanguíneo através do circuito.  Nesse caso o problema está na própria bomba ou no ajuste de sua velocidade de rotação.

Cenário 3: P1 e P2 mais elevadas e P3 mais baixa:

Quando o temos a elevação dos valores de pressão antes da membrana, há algo de errado com a própria membrana oxigenadora. O mais comum é a formação de trombos que impactam entre os túbulos e aumentam a resistência do circuito. Isso faz ainda com que o valor de P3 torne-se menor.

Cenário 4: P1, P2 e P3 mais elevados:

Quando todas as pressões de monitorização do circuito estão elevadas, temos um problema no retorno do sangue para o paciente, o que geralmente é causado pelo aumento da resistência vascular sistêmicas (no caso de ECMO veno-arterial) ou aumento da resistência vascular pulmonar (no caso de ECMO veno-venosa). Outra possibilidade é o dobramento mecânico do circuito de retorno sanguíneo.

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O reconhecimento topográfico de onde está o problema de fluxo, nos permite intervir etiologicamente a fim de manter o adequado funcionamento do dispositivo. Podemos, por exemplo, proceder a expansão volêmica, ajuste de velocidade de rotação da bomba, troca da membrana de oxigenação e titulação de vasopressores, a depender a situação.

Tão importante quanto compreeender os princípios de funcionamento e de monitorização de uma membrana oxigenadora extra-corpórea, é saber indicá-la. Essencialmente, o que esse dispositivo pode proporcionar para o paciente em questão, quais seus riscos e benefícios? E em que ponto evolutivo da doença devemos indicar essa modalidade terapeutica?

 

Referências:

1.Extracorporeal Life Support for Adults With Respiratory Failure and Related Indications A Review, Daniel Brodie, MD; Arthur S. Slutsky, MD; Alain Combes, MD, PhD, JAMA. 2019;322(6):557-568, August 13, 2019 Volume 322, Number 6

2.ECMO Extracorporeal Life Support in Adults, Fabio Sangalli, Nicolò Patroniti, Antonio Pesenti, Springer Milan Heidelberg New York Dordrecht London, 2014

3.Prolonged Extracorporeal Oxigenation For Acute Post Traumatic Respirtory Failure (Shock-Lung Syndrome), Use of the Bramson Machine Lung, J. Donald Hill, The New Enagland Journal of Medicine, volume 286, number 12, March, 23, 1972

4.Extracorporeal Membrane Oxygenation in Severe Acute espiratory Failure A Randomized Prospective Study, Warren M. Zapol, JAMA 242:2193-2196, 197

5.Low-Frequency Positive-Pressure Ventilation With Extracorporeal CO2 Removal in Severe Acute Respiratory Failure, Luciano Gattinoni, MD; JAMA 1986;256:881-886

6.Randomized Clinical Trial of Pressure-controlled Inverse Ratio Ventilation and Extracorporeal CO2 Removal for Adult Respiratory Distress Syndrome ALAN H. MORRIS, Am J Respir Crit Care Med Vol 149. pp 295-305, 1994

7.High Survival in Adult Patients With Acute Respiratory Distress Syndrome Treated By Extracorporeal Membrane Oxygenation, Minimal Sedation, and Pressure Suported Ventilation, Viveka Lindèn, Intensive Care Medicine, 2000, 26: 1630 – 1637

8.Effi cacy and economic assessment of conventional ventilatory support versus extracorporeal membrane oxygenation for severe adult respiratory failure (CESAR): a multicentre randomised controlled trial, Giles J Peek, The Lancet, Vol 374 October 17, 2009

9.Extracorporeal Membrane Oxygenation for Severe Acute Respiratory Distress Syndrome, A. Combes, The New England Journal of Medicine, May 24, 2018 vol. 378 no. 21

https://emblog.mayo.edu/2017/04/10/ecmo-rounds-crash-course/

11.Lower tidal volume strategy (~3 ml/kg) combined with extracorporeal CO2 removal versus ‘conventional’ protective ventilation (6 ml/kg) in severe ARDS, Thomas Bein, Intensive Care Med (2013) 39:847–856

 

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