Intubar ou não intubar, eis a questão?? Até quando devo insistir no cateter nasal de alto fluxo?

O cateter nasal de alto fluxo (CNAF) é uma ótima opção de dispositivos não invasivos na terapêutica da insuficiência respiratória. O método pode proporcionar taxas de fluxo de 50-60 litros/minuto e concentrações de oxigênio precisas (21 – 100%). O oferecimento de fluxo aquecido e umidificado por meio de cânulas nasais pequenas e flexíveis facilita a remoção de secreções, evita o ressecamento das vias aéreas e lesão epitelial, reduz o trabalho respiratório, melhorando o conforto e a tolerância dos pacientes ao dispositivo. Fluxos elevados (> 30 l/min) ajudam a “lavar” as vias aéreas superiores, atuando no clearance de CO2 do espaço morto anatômico da nasofaringe, o que pode reduzir a hipercapnia.1,2 Além disto, a presença de fluxo contínuo nas vias aéreas, permite a entrada de ar em contrafluxo durante a expiração, gerando uma pressão positiva durante todo o curso do ciclo respiratório, com valores de até 5 cmH2O (final da expiração e se o paciente permanecer com a boca fechada). 3

Nos últimos anos muitos estudos têm sido publicados especulando sua utilização como favorável à oxigenioterapia convencional em termos de mortalidade e redução de intubação orotraqueal principalmente no contexto de insuficiência respiratória aguda (IRPA) hipoxêmica com resultados divergentes.4-5

Durante a respiração espontânea o maior determinante da pressão transpulmonar (Pressão alveolar – Pressão pleural) é o esforço inspiratório. Nos casos de IRPA hipoxêmica e síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), o esforço inspiratório pode estar aumentado e levar à lesão pulmonar infligida pelo próprio paciente (P-SILI, do inglês patient self-inflicted lung injury). A manutenção da P-SILI (Quadro 1) está relacionada a maior lesão pulmonar, aumento da inflamação e piores desfechos.3 Retardar a intubação orotraqueal, sedação e possivelmente bloqueio neuromuscular neste cenário não é desejável e, consequentemente, reconhecer precocemente que pacientes não responderão ao CNAF é fundamental.2

Mesmo cientes de que fatores como oxigenação, assincronia toracoabdominal, necessidade de vasopressores, escore SOFA e a gravidade da doença estejam associados a maiores chances de insucesso do CNAF, a decisão entre intubar ou insistir em medidas não invasivas nem sempre é clara.2 Para pacientes com CNAF e IRPA hipoxêmica secundária a pneumonia/SDRA a avaliação seriada do índice Rox (Figura 1)7 torna-se bem interessante. A ferramenta é calculada  pela razão “[SatO2/FiO2]/frequência respiratória” e prediz  chances de sucesso e fracasso do método. Um índice de Rox superior a 4,88 após 2, 6 e 12 horas de terapia esteve associado a maior chance de sucesso do CNAF, enquanto valores inferiores a 2,85, 3,47 e 3,85, respectivamente após 2, 6 e 12 horas, tiveram maior propensão a insucesso e necessidade de intubação orotraqueal (Figura 2).2,7-10 O índice também pode ser utilizado na avaliação de pacientes com COVID-19.11

 

Figura 1. Índice Rox7

Figura 2: Algoritmo para uso do índice Rox como ferramenta auxiliar no processo de tomada de decisão para intubação.

 

A decisão em manter o CNAF em pacientes com IRPA hipoxêmica deve pesar o benefício de evitar uma intubação orotraqueal e seus malefícios, versus o risco de P-SILI pela manutenção da ventilação espontânea, principalmente em pacientes com PaO2/FiO2 < 200. A avaliação deve ser individualizada e o uso do índice Rox pode auxiliar no processo de tomada de decisão. Após as primeiras 12 horas, caso o índice permaneça inferior ao desejado, o ideal seria considerar a possibilidade de intubação orotraqueal.

Referências

  1. Dysart K et al. Research in high flow therapy: mechanisms of action. Respir Med. 2009 Oct;103(10):1400-5. Epub 2009 May 21.
  2. Ricard JD et al. Use of nasal high flow oxygen during acute respiratory failure. Intensive Care Med. 2020 Dec;46(12):2238-2247.
  3. Grieco DL et al. Patient self-inflicted lung injury: implications for acute hypoxemic respiratory failure and ARDS patients on non-invasive support. Minerva Anestesiol. 2019 Sep;85(9):1014-1023. doi: 10.23736/S0375-9393.19.13418-9. Epub 2019 Mar 12. PMID: 30871304.
  4. Frat JP et al (2015) High-flow oxygen through nasal cannula in acute hypoxemic respiratory failure. N Engl J Med 372(23):2185–2196
  5. Rochwerg B et al. High flow nasal cannula compared with conventional oxygen therapy for acute hypoxemic respiratory failure: a systematic review and meta-analysis. Intensive Care Med. 2019 May;45(5):563-572.
  6. Monro-Somerville T et al. The Effect of High-Flow Nasal Cannula Oxygen Therapy on Mortality and Intubation Rate in Acute Respiratory Failure: A Systematic Review and Meta-Analysis. Crit Care Med. 2017 Apr;45(4):e449-e456.
  7. ICU Charts no Twitter: “Consider ROX Index for #patients with HFNC https://t.co/jwKnDykIOw https://t.co/POldjMcRZZ #wcic19 #IWIN_2020 #BEACH2019 #FOAMed #SoMe4MV #ICU #UZB40ICU #IFAD2019 https://t.co/4h4u4Jsu5G” / Twitter
  8. Roca O et al. (2016) Predicting success of high-flow nasal cannula in pneumonia patients with hypoxemic respiratory failure: the utility of the ROX index. J Crit Care 35:200–205
  9. Roca O et al (2019) An index combining respiratory rate and oxygenation to predict outcome of nasal high-flow therapy. Am J Respir Crit Care Med 199:1368–1376
  10. Hill NS et al. Predicting Outcomes of High-Flow Nasal Cannula for Acute Respiratory Distress Syndrome. An Index that ROX. Am J Respir Crit Care Med. 2019 Jun 1;199(11):1300-1302.
  11. Mellado-Artigas R et al. Predictors of failure with high-flow nasal oxygen therapy in COVID-19 patients with acute respiratory failure: a multicenter observational study. j intensive care 923 (2021).

 

Texto escrito por Daniere Yurie Vieira Tomotani, médica intensivista pela UNIFESP, mestrado em Tecnologias e Atenção à Saúde pela UNIFESP, pós-graduação em neurointensivismo e em Cuidados Paliativos pelo Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa.

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