A neutropenia febril é a mais frequente complicação relacionada à quimioterapia. Pacientes oncológicos que recebem agentes citotóxicos podem sofrer com o efeito colateral de comprometimento da mielopoiese. Isso, somado ao comprometimento da integridade da mucosa gastrointestinal, cria a condição perfeita para a translocação da flora bacteriana e de fungos comensais. Considerando que a magnitude da resposta inflamatória mediada pelos neutrófilos está prejudicada, a febre pode ser o único e mais precoce sinal de infecção.
Cerca de 80% dos pacientes com diagnóstico de tumores hematológicos e até 50% dos pacientes com tumores sólidos podem ser acometidos por essa entidade. O momento de maior risco para o desenvolvimento da neutropenia é entre 7 e 10 dias após a administração do ciclo de quimioterapia.
Como fatores de risco, destacam-se: idade avançada, doença avançada, história prévia de neutropenia febril, não uso de profilaxia, presença de mucosite, doença cardiovascular, status performance comprometido.
O diagnóstico é feito por dois critérios: contagem de neutrófilos < 500 células /mm3 e febre. Podemos definir febre como a presença de temperatura axilar ou oral ≥ 38,3oC, ou então como temperatura ≥ 38oC sustentada por mais de 1 hora em pelo menos duas aferições.
Podemos classificar o risco do paciente oncológico desenvolver neutropenia febril através escore MASCC (multinacional Association of Suportive Care in Cancer). Quanto maior a pontuação, menor o risco. Seus critérios podem ser conferidos na figura abaixo.
O escore MASCC torna-se importante pelo fato de predizer a morbimortalidade do paciente. Na prática, é utilizado para guiar recomendar em qual regime o paciente oncológico fará o seguimento médico após a administração da quimioterapia. Aqueles considerados como de baixo risco podem realizar o seguimento ambulatorial. No entanto, os de risco moderado a alto devem ser acompanhados em regime de internação hospitalar, quer seja em enfermaria ou em UTI.
Sindromicamente, o paciente neutropênico febril deve ser encarado como um paciente infectado e, portanto, o tratamento é baseado em antioticoterapia, de preferência precoce. A escolha do regime antimicrobiano deve levar em conta diversos fatores, como uso prévio de antibióticos, histórico de infecções anteriores, uso de corticoterapia, cirurgia recente e presença de dispositivos invasivos. É imperativa a coleta de culturas de possíveis sítios de infecção (hemocultura, sangue de cateter, urocultura, coprocultura em caso de diarreia). Caso paciente apresente contagem de neutrófilos menor que 100 células/mm3, ou caso se mantenha febril por mais de 72 horas, é recomendável a realização de uma tomografia de tórax a fim de rastreio infeccioso.
Para os pacientes de risco moderado ou grave, alvo de nosso cuidado, o esquema antimicrobiano deve sempre contemplar a cobertura para Pseudomonas (um dos principais bacilos gram negativos implicados com pior desfecho). A recomendação varia de instituição para instituição e a equipe de infectologia/ SCIH deve ser consultada. Em termos gerais, recomendamos as seguinte escolhas iniciais: Piperacilina + tazobactam, ou cefepime, ou meropenem, com ou sem aminoglicosídeo.
É essencial a reavaliação do paciente, dado o risco de deterioração clínica Na evidência de nova disfunção orgânica, o caso deve ser conduzido como sepse e recomendamos fortemente a seguimento em UTI. Caso o regime antimicrobiano não aparente ser satisfatório e, sobretudo, na ausência de evidência microbiológica guiada por culturas e com o paciente em franca curva de piora hemodinâmica ou respiratória, o escalonamento o tratamento é necessário. Nesses casos, deve-se associar cobertura para agentes gram positivos ou mesmo para fungos.
Não obstante, a simples persistência da febre por mais de dois dias para tumores sólidos ou por mais de 5 dias para tumores hematológicos, sem sinais de piora clínica, não necessariamente aponta para a necessidade de escalonamento antimicrobiano. O foco deve ser voltado para a pesquisa e possível controle do foco infeccioso.
Algumas situções especiais se fazem notar:
Para pacientes em uso de cateter venoso central, o mesmo pode ser mantido até o resultado final das culturas, caso o paciente esteja estável. Caso as hemoculturas identifiuem cocos gram positivos, ou na presença de sinais flogísticos no sítio de intersão ou em vigência de instabilidade hemodinâmica, o cateter deverá ser removido. O tratamento preconizado é feito com vancomicina ou com linezolida.
Para pacientes com suspeita de infecção de foco pulmonar, de baixo risco pelo escore MASCC e provindos da comunidade, o tratamento deve contemplar agentes atípicos, com uso de macrolídeos. Para pacientes de alto risco, devemos pensar em nas hipóteses de aspergilose e de pneumocistose, tratando-se com anfotericina B ou com sulfametoxazol e trimetoprim, respectivamente.
Na existência de lesões vesiculares, a hipótese de herpes simples ganha respaldo, com o tratamento feito através de aciclovir. Outra possibilidade seria citomegalovirus invasivo e o agente antiviral a ser administrado é o ganciclovir.
No caso de distensão abdominal, associada a diarreia, devemos considerar a hipótese de infecção por Chlostridium difficile. Idealmente, a pesquisa é feita através de PCR de fezes e o tratamento deve contemplar a administração de vancomicina enteral. Em caso de indisponibilidade para uso do trato gastrointestinal, a alternativa de escolha é o uso de metronidazol venoso.
Se considerarmos o contexto de neoplasia, os pacientes com neutropenia febril, são essencialmente graves. O critério de febre para definição de infecção é utilizado a fim de aumentar a sensibilidade diagnóstica e tornar mais permissiva a prescrição de antibiótico para o paciente. As “máximas” da sepse também se aplicam aqui: antibiótico precoce e controle de foco. Não obstante essa abordagem relativamente simples, esse perfil de paciente carece de grande atenção e não é raro flagrarmos uma deterioração clinica rápida e que pode pegar diversos médicos desprevenidos. A avaliação seriada do paciente ao longo do plantão pode significar uma condução mais harmoniosa e segura!
Esse texto foi escrito conjuntamente por Blayner Brandão Oppenheimer, CREMESP189299, médico residente de Medicina Intensiva pela UNIFESP e plantonista do grupo PacienteGraveUTI, e Felipe Cavatoni, médico intensivista, preceptor do programa de Medicina Intensiva pela UNIFESP, Coordenador assistencial pelo grupo PacienteGraveUTI.
1.Management of febrile neutropaenia: ESMO Clinical Practice Guidelines J. Klastersky1, J. de Naurois2, K. Rolston3, B. Rapoport4, G. Maschmeyer5, M. Aapro6 & J. Herrstedt7 on behalf of the ESMO Guidelines Committee – Annals of Oncology 27 (Supplement 5): v111–v118, 2016
2.Diagnosis and Management of Oncologic Emergencies – Sarah Klemencic, MD Jack Perkins, MD – Western Journal of Emergency Medicine – Volume 20, no. 2: March 2019
3.Optimisation of empirical antimicrobial therapy in patients with haematological malignancies and febrile neutropenia (How Long study): an open-label, randomised, controlled phase 4 trial – Manuela Aguilar-Guisado, PhD Ildefonso Espigado, PhD Almudena Martín-Peña, PhD Carlota Gudiol, PhD Cristina Royo-Cebrecos, MD José Falantes, MD et al.
4.Sipsas NV, Bodey GP, Kontoyiannis DP. Perspectives for the management of febrile neutropenic patients with cancer in the 21st century. Cancer. 2005 Mar 15;103(6):1103-13. doi: 10.1002/cncr.20890. PMID: 15666328.
5.Holland T, Fowler VG Jr, Shelburne SA 3rd. Invasive gram-positive bacterial infection in cancer patients. Clin Infect Dis. 2014 Nov 15;59 Suppl 5(Suppl 5):S331-4. doi: 10.1093/cid/ciu598. PMID: 25352626; PMCID: PMC4303051.
6.Wisplinghoff H, Seifert H, Wenzel RP, Edmond MB. Current trends in the epidemiology of nosocomial bloodstream infections in patients with hematological malignancies and solid neoplasms in hospitals in the United States. Clin Infect Dis. 2003 May 1;36(9):1103-10. doi: 10.1086/374339. Epub 2003 Apr 14. PMID: 12715303.
7.Perez F, Adachi J, Bonomo RA. Antibiotic-resistant gram-negative bacterial infections in patients with cancer. Clin Infect Dis. 2014 Nov 15;59 Suppl 5(Suppl 5):S335-9. doi: 10.1093/cid/ciu612. PMID: 25352627; PMCID: PMC4303050.
8.Gudiol C, Bodro M, Simonetti A, Tubau F, González-Barca E, Cisnal M, Domingo-Domenech E, Jiménez L, Carratalà J. Changing aetiology, clinical features, antimicrobial resistance, and outcomes of bloodstream infection in neutropenic cancer patients. Clin Microbiol Infect. 2013 May;19(5):474-9. doi: 10.1111/j.1469-0691.2012.03879.x. Epub 2012 Apr 24. PMID: 22524597
9.Cancer-related hypercalcemia. DOI: 10.1200/JOP.2016.011155 Journal of Oncology Practice 12, no. 5 (May 01, 2016) 426-432. Published online September 21, 2016.
10.Feldenzer KL, Sarno J. Hypercalcemia of Malignancy. J Adv Pract Oncol. 2018 Jul-Aug;9(5):496-504. Epub 2018 Jul 1. PMID: 31086686; PMCID: PMC6505545
11.http://tabnet.datasus.gov.br
12. WHO | Incidence, mortality & survival databases