Insuficiência Respiratória Aguda em Imunossuprimido

Esse Texto foi escrito por Paulo Chipolletti Picca, médico intensivista, diarista pelo grupo PacienteGraveUTI.

Imagine o seguinte cenário: paciente sexo feminino, 52 anos, transplantada renal há 3 meses, em uso de micofenolato, tacrolimus e prednisona. Refere dispneia há 1 semana. Além disso, tosse seca, fadiga e mal-estar geral há 15 dias. À admissão, está em uso de oxigenioterapia em máscara com reservatório a 10 litros/min, em uso de musculatura acessória. Após 1 hora de ventilação não invasiva, evolui para incremento de fluxo de oxigênio para 12 litros/min e piora do padrão ventilatório. Nesse contexto, você opta por intubação orotraqueal. E agora:  qual antibiótico prescrever? Quais agentes você pretende cobrir? Quais exames são os mais indicados para corroborar o diagnóstico?

O número de pacientes imunossuprimidos vem crescendo e, com isso, cada vez mais os intensivistas atendem suas complicações. A insuficiência respiratória aguda grave nesse grupo de pacientes é particularmente desafiadora.

Segundo estudo Efraim (1) que avaliou 1611 pacientes, foram encontradas as seguintes etiologias para insuficiência respiratória em pacientes imunossuprmidos:

Pneumonia bacteriana: 14 – 41%

Pneumonia viral: 14 – 20%

Pneumocistose: 4 – 12%

Aspergilose pulmonar invasiva: 3,7 – 4,6%

Invasão fúngica: 13 – 20%

Infiltrados relacionados à doença: 7 – 11%

Edema pulmonar cardiogênico: 4 – 10%

Indeterminado: 9 – 15%

Mais de uma etiologia: 14 – 19%

Muitos pacientes já estavam em uso de antibióticos no momento da coleta de exames. Desse modo, o número de pneumonias bacterianas provavelmente é maior que o relatado no estudo. Chama a atenção o fato de que muitos casos não têm etiologia infecciosa e que até 19% deles têm mais de uma etiologia.  Dessa forma, a definição etiológica mostra-se desafiadora.

Esse estudo encontrou uma correlação direta entre necessidade de ventilação mecânica invasiva e aumento de mortalidade. Do mesmo modo, a mortalidade é maior entre pacientes sem definição do agente etiológico. Não obstante, destacamos que trata-se um estudo de coorte prospectivo, que, mesmo ajustando para variáveis, tem poder limitado em estabelecer causalidade.

Note, na figura abaixo que, além da ventilação mecânica, a idade avançada, uma relação PaO2/FiO2 < 100, um escore de SOFA elevado são fatores pontencialmente implicados com maior mortalidade em pacientes imunossuprimidos. De modo contrário, a admissão direta do paciente na UTI parece estar associada a um desfecho mais favorável.

Alguns ensaios clínicos randomizados, não encontraram diferença entre a estratégia inicial de oxigenioterapia e mortalidade (2,3), e esse tema permanece controverso.

Sobre a propedêutica e prescrição antimicrobiana, uma revisão recente (4) de Azoulay  propõe alguns conceitos para o manejo desses pacientes:

  • A etiologia da insuficiência respiratória deve ser amplamente investigada
  • Os testes diagnósticos devem ser baseados tanto na apresentação clínica como no aspecto radiológico (TC) e condições de base
  • Diagnóstico diferencial deve sempre ser considerado
  • Avaliação diagnóstica mínima desses pacientes inclui raio x de tórax, eletrólitos, DHL, painel viral, hemoculturas, antígenos urinários, ecocardiograma, cultura de  amostra de escarro ou aspirado traqueal
  • Quando testes não invasivos são similares aos invasivos, aqueles são preferidos ao lavado broncoalveolar
  • Risco /benefício deve ser considerado ao solicitar lavado broncoalveolar
  • Ainda, na solicitação de exames, devemos levar em conta apresentação clínica, aspecto tomográfico, imunossupressão de base, experiência clínica e apresentação clínica, especialmente s eoutras disfunções orgânicas.

Segue uma figura que correlaciona aspecto tomográfico com etiologias mais comuns.

Quando falamos sobre pacientes submetidos a transplante de órgãos sólidos, há uma série de prováveis agentes infecciosos que correlacionam-se com a cronologia do procedimento. Nas primeiras quatro semanas, o paciente apresenta maior probabilidade de infecção nosocomial, com destaque para infecções do sitio cirúrgico, com a flora particular de cada instituição. Outros agentes infecciosos desse período, seriam aqueles provenientes do doador. Entre um e seis meses, ganham notoriedade agentes oportunistas ou aqueles relacionados com ativação de infecções latentes, uma vez que esse é o período de imunossupressão mais intensa. Citamos: vírus herpes simples, citomegalovírus, Epstein Barr, pneumocistose, tuberculose, nocardiose, além de toxoplasmose, leishmaniose e strongiloidose. A partir de seis meses, a infecções tornam-se mais semelhantes àquelas encontradas na população geral, com destaque para pneumonias adquiridas na comunidade, aspergilose, infecção do trato urinário e colites infecciosas.

Por fim, devemos pesquisar ostensivamente a etiologia da insuficiência respiratória do paciente imunossuprimido.  O raciocínio clínico envolve tanto a apresentação clínica, radiológica assim como a imunossupressão de base.

Referências:

1 – Azoulay E, Pickkers P, Soares M, Perner A, Rello J, Bauer PR, van de Louw A, Hemelaar P, Lemiale V, Taccone FS, Martin Loeches I, Meyhoff TS, Salluh J, Schellongowski P, Rusinova K, Terzi N, Mehta S, Antonelli M, Kouatchet A, Barratt-Due A, Valkonen M, Landburg PP, Bruneel F, Bukan RB, Pène F, Metaxa V, Moreau AS, Souppart V, Burghi G, Girault C, Silva UVA, Montini L, Barbier F, Nielsen LB, Gaborit B, Mokart D, Chevret S; Efraim investigators and the Nine-I study group. Acute hypoxemic respiratory failure in immunocompromised patients: the Efraim multinational prospective cohort study. Intensive Care Med. 2017 Dec;43(12):1808-1819. doi: 10.1007/s00134-017-4947-1. Epub 2017 Sep 25. PMID: 28948369.

2 – Azoulay E, Lemiale V, Mokart D, Nseir S, Argaud L, Pène F, Kontar L, Bruneel F, Klouche K, Barbier F, Reignier J, Berrahil-Meksen L, Louis G, Constantin JM, Mayaux J, Wallet F, Kouatchet A, Peigne V, Théodose I, Perez P, Girault C, Jaber S, Oziel J, Nyunga M, Terzi N, Bouadma L, Lebert C, Lautrette A, Bigé N, Raphalen JH, Papazian L, Darmon M, Chevret S, Demoule A. Effect of High-Flow Nasal Oxygen vs Standard Oxygen on 28-Day Mortality in Immunocompromised Patients With Acute Respiratory Failure: The HIGH Randomized Clinical Trial. JAMA. 2018 Nov 27;320(20):2099-2107. doi: 10.1001/jama.2018.14282. PMID: 30357270; PMCID: PMC6583581.

3 – Lemiale V, Mokart D, Resche-Rigon M, Pène F, Mayaux J, Faucher E, Nyunga M, Girault C, Perez P, Guitton C, Ekpe K, Kouatchet A, Théodose I, Benoit D, Canet E, Barbier F, Rabbat A, Bruneel F, Vincent F, Klouche K, Loay K, Mariotte E, Bouadma L, Moreau AS, Seguin A, Meert AP, Reignier J, Papazian L, Mehzari I, Cohen Y, Schenck M, Hamidfar R, Darmon M, Demoule A, Chevret S, Azoulay E; Groupe de Recherche en Réanimation Respiratoire du patient d’Onco-Hématologie (GRRR-OH). Effect of Noninvasive Ventilation vs Oxygen Therapy on Mortality Among Immunocompromised Patients With Acute Respiratory Failure: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 2015 Oct 27;314(16):1711-9. doi: 10.1001/jama.2015.12402. PMID: 26444879.

4 – Azoulay E, Russell L, Van de Louw A, Metaxa V, Bauer P, Povoa P, Montero JG, Loeches IM, Mehta S, Puxty K, Schellongowski P, Rello J, Mokart D, Lemiale V, Mirouse A; Nine-i Investigators. Diagnosis of severe respiratory infections in immunocompromised patients. Intensive Care Med. 2020 Feb;46(2):298-314. doi: 10.1007/s00134-019-05906-5. Epub 2020 Feb 7. PMID: 32034433; PMCID: PMC7080052.

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