Como conduzir um caso de hipertensão intracraniana em sua UTI

Por vezes, recebemos em nossa unidade de terapia intensiva (UTI) algum paciente neurocrítico, geralmente vítima de uma causa externa, como acidente automobilístico ou queda. Esse paciente dá entrada pelo pronto atendimento; e, em uma curta passagem pelo centro cirúrgico, a equipe de neurocirurgia opta por proceder à instalação de um cateter para a monitorização da pressão intracraniana (PIC).

Durante o dia, foi tudo bem, mas justo agora que você assumiu o plantão noturno, o alarme da PIC começou a disparar. Você chega a beira-leito, olha para o número em realce na tela do monitor e se pergunta: o que está acontecendo dentro da cabeça do meu paciente? O que eu devo fazer para controlar essa hipertensão intracraniana?

Antes de mais nada, a hipertensão intracrananiana ocorre quando o valor da pressão dentro da calota excede 20mmHg. Quando isso ocorre, o sangue arterial tem maior dificuldade em perfundir o tecido encefálico. Após cinco minutos de hipoperfusão, o paciente pode sofrer danos irreversíveis, no que chamamos de lesão cerebral secundária.

O valor da pressão de perfusão cerebral (PPC) deve se situar entre 60 e 70mmHg. Conceitualmente ela é igual à diferença entre a pressão arterial média e a pressão intracraniana.

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A monitorização da pressão intracraniana é questionável em diversos cenários e seu uso não se traduz em redução de mortalidade. Com base no documento de 2007 da Brain Trauma Foundation, as indicações devem ser individualizadas e analisadas de modo criterioso, conforme o julgamento clínico e complementadas por exames de imagem. Essencialmente, temos as seguintes indicações formais:

  • Escala de coma de Glasgow ≤ 8 após manobras de reanimação cardiopulmonar.
  • Queda de dois pontos em exames sequenciais de escala de coma de Glasgow.
  • Traumatismo cranioencefálico (TCE) grave com tomografia computadorizada de crânio anormal (evidencia de contusão, hematoma, edema ou compressão de cisternas)
  • TCE grave, independente da tomografia da entrada, mas com necessidade de sedação e analgesia otimizadas que inviabilizam o exame neurológico clínico.
  • TCE grave associado a dois dos seguintes fatores: idade acima de 40 anos, posturas anormais, pressão arterial sistólica < 90mmHg.

Tendo dito isso, vamos retornar para nosso cenário clínico. O paciente apresenta aumento da PIC e redução da PPC. A seguir, apresentamos alguns passos que podem ser úteis para você conseguir brilhar no plantão e fazer a diferença para o desfecho do seu paciente:

  • Confira se cabeceira do leito está a 45° e a cabeça em posição neutra. A cabeça, o pescoço e o tronco devem estar alinhados e no mesmo eixo. A cabeça não deve estar rodada e nem tombada para frente, para trás ou para os lados. A posição neutra facilita o retorno venoso e reduz a congestão venosa cerebral.
  • Evite hipotensão! Caso o paciente apresente uma pressão arterial média (PAM) < 65mmHg, considere expansão volêmica com soro fisiológico ou otimização de vasopressores. O aumento da PAM repercute com o aumento da PPC.
  • Avalie o sistema do transdutor e a curva do monitor. Lembre-se sempre de conferir se o dispositivo está zerado e em caso de sistema com transdutor externo, ele deve estar nivelado na altura do tragus auricular. Uma boa curva de PAI apresenta 3 componentes: o P1, P2 e o P3. O P1 é a transmissão da pulsação da circulação arterial cerebral para o sistema ventricular. P2 representa a complacência cerebral. Ele é um reflexo do compartimento venoso e sua amplitude corresponde a cerca de 80% da amplitude de P1. Já P3 marca o fechamento da válvula aórtica.

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  • No caso de uma PIC intraventricular, proceda à abertura da válvula externa e permita a drenagem de certa quantidade de líquor.
  • Avalie se o paciente está bem sedado. O ideal é que ele seja mantido em RASS -5 e que, além do sedativo, seja utilizado algum analgésico potente, como o fentanil, a fim de se descartar dor.
  • Para evitar picos hipertensivos, realize bloqueio neuromuscular às manipulações, como nas aspirações traqueais e durante o banho.
  • Trate a hipertermia. Caso o paciente não seja alérgico, considere manter dipirona e paracetamol fixos, em horários intercalados. Ainda é possível o posicionamento de compressas frias sobre o corpo do paciente. Em caso de febre refratária, o próximo passo é o posicionamento de uma sonda vesical de três vias e a irrigação da bexiga com soro gelado. Agora, um ponto importante é que não devemos induzir hipotermia!
  • Mantenha o sódio sérico do paciente próximo de 150mEq/L. Não existe um valor de referência da natremia que devemos perseguir. Mas, sim, o racional de que, por mecanismo osmótico, a hipernatremia induz a desidratação cerebral, com redução do edema patológico desse órgão. Caso opte por hidratar o paciente, dê preferência para o soro fisiológico 0,9%, cuja natremia é de 154mEq/L, ao invés de ringer lactato, cuja natremia é de 131mEq/L.
  • Se possível, solicite um eletroencefalograma e descarte a hipótese de status epilepticus não convulsivo. Uma das causas de hipertensão intracraniana refratária é o edema cerebral causado por mecanismo de hiperatividade neuronal.
  • Evite hipoglicemia! O neurônio não tolera a hipoglicemia, mas tolera um pouco de hiperglicemia. O ideal é manter o controle glicêmico entre 140 a 180mg/dL.
  • Mantenha a PaCO2 próximo de 35mmHg. Atualmente não é recomendável induzir hiperventilação no paciente. Mas é bem sabido que a hipercapnia é capaz de induzir vasodilatação cerebral e, portanto, hipertensão intracraniana. Nesse sentido recomendamos titular o volume minuto do paciente a fim de manter a PaCO2 entre 35 e 40mmHg. O uso de capnografia é encorajado.
  • Evite hipoxemia e hiperóxia. Ajuste a FiO2 e/ou a PEEP do ventilador mecânico a fim manter uma PaO2 entre 60 e 80mmHg.
  • Realize uma nova tomografia de crânio a fim de definir a etiologia da hipertensão intracraniana: edema cerebral? Sangramento novo?
  • Comunique-se bem com a equipe de neurocirurgia! Atualize o colega cirurgião do que está acontecendo e o deixe de prontidão para uma eventual abordagem operatória.
  • Considere medidas farmacológicas:
    • Manitol 20%: 0,5 g/Kg. Idealmente administrar em bolus.
    • NaCl 20%: 0,5ml/Kg. Administrar lento, devido ao risco de hipotensão arterial sistêmica. Atentar para o risco de hipernatremia grave!
    • Tiopental: tem a propriedade de suprimir a atividade cortical cerebral e cerebelar. Deve ser feito em dose de ataque e de manutenção.
      • Ataque: 3 a 10mg/Kg
      • Manutenção: 0,3 a 3 mg/Kg/h
      • Apresentação: ampola com 1g e com 0,5g
      • Preparação: 5g + 500mL SF = 10mg/mL
      • Dose (mg/Kg/h) = V(ml/h) / P(Kg) x 10

Referências:

  • Guidelines for the Management of Severe TBI, 4th Ed. Brain Trauma Foundation, 2016.
  • Critical Care Medicine Principles Of Diagnosis And Management In The Adult, Joseph Parrillo, Phillip Dellinger, Ed. Elsevier Saunders, 2014.
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