Balão Intra-aórtico, você ainda vai precisar de manejar um!

A cada dia, a Medicina Intensiva torna-se mais prática e menos invasiva. Desse modo, algumas ferramentas que eram constantemente utilizadas no passado vêm se tornado menos comuns no cuidado com o paciente grave. Um dos exemplos é o cateter de artéria pulmonar, cujo uso vem cedendo lugar para métodos menos invasivos ou, até mesmo, não invasivos, de mensuração do débito cardíaco.

Outro exemplo, que é tema do atual texto, é o balão de contra-pulsação aórtico, ou, simplesmente, balão intra-aórtico (BIA). Por ser apenas esporadicamente utilizado, algumas dúvidas podem surgir ao longo da assistência: Como devo ajustar o BIA? Em que eu devo me focar? Como eu faço o desmame do BIA?

Mais uma vez, você pode contar com nosso time para não passar nenhum aperto em seu plantão. Vamos lá?

Definição: trata-se de um dispositivo invasivo de assistência circulatória, posicionado no interior da aorta, por meio de punção, com a propriedade de insuflação intermitente. Para essa insuflação, é utilizado aproximadamente 40mL de gás hélio. O balão não ocluiu completamente a artéria, mas apenas cerca de 80% de sua secção transversal.

Racional fisiológico: Durante a diástole, o balão se insufla. Isso permite uma melhor perfusão coronariana. Durante a sístole, ele permanece desinflado, de modo que a pós-carga do ventrículo esquerdo (VE) se torna menor, bem como o gasto energético do miocárdio.

  • Diástole à balão insuflado à melhor perfusão coronária
  • Sístole à balão desinflado à menor pós-carga de VE à menos gasto energético de VE

Indicação: Pacientes em choque circulatório ou em alto risco de descompensação cardiogênica após intervenção coronariana.

  • Choque cardiogênico
  • Após cirurgia de revascularização miocárdica
  • Após infarto agudo do miocárdio
  • Cardiomiopatia
  • Doença arterial coronariana, aguardando procedimento de angioplastia ou revascularização

Contraindicações:

  • Sepse não controlada
  • Discrasia sanguínea não controlada
  • Insuficiência aórtica grave
  • Aneurisma de aorta ou dissecção de aorta
  • Insuficiência arterial periférica crítica

Ajuste do BIA

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Existem diversos modelos de BIA no mercado, mas em todos eles, o ajuste passa pelas mesmas etapas.

  1. Selecionar modo de disparo do balão intra-aórtico
    1. ECG: Caso seja selecionado o modo e disparo pela atividade elétrica do coração, devemos nos lembrar que a sístole ventricular ocorre durante o QRS. Dessa forma, o balão deverá ficar desinflado durante o QRS e insuflado nos demais momentos (do início da onda T até o final da onda P)
    2. PACER: caso o paciente tenha implantado um marcapasso, devemos ajustar o disparo para o modo “pacer”. Nesse modo, as espículas do marcapasso são utilizadas para detectar a fase do ciclo cardíaco.
    3. FA: Muitos dispositivos têm um modo caso o paciente apresente fibrilação atrial, onde a onda R é utilizada para marcar a desinflação do BIA.
    4. PAI: outro modo de ajustar o disparo do BIA é por meio da curva de pressão arterial invasiva (PAI). Nesse caso, devemos lembrar que a diástole ventricular se inicia no fechamento da válvula aórtica, que é marcada pelo nó dicrótico no contorno da curva da PAI. A partir do nó dicrótico até o início da ascensão anacrótica seguinte, o BIA deverá permanecer insuflado.
    5. Internal: É o disparo que deve ser selecionado em caso de parada cardiorrespiratória em assistolia.
  2. Ajustar o tempo de insuflação e de desinflação do BIA
  3. Ajustar a frequência de funcionamento do BIA:
    1. 1:1: O BIA é insuflado a cada batimento cardíaco
    2. 1:2: O BIA é insuflado uma vez a cada dois batimentos cardíacos
    3. 1:3: O BIA é sinsuflado uma vez a cada três batimentos cardíacos.

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A performance do BIA é influenciada por diversos fatores:

  • O adequado posicionamento do dispositivo (2cm acima da carina)
  • Ritmo cardíaco regular
  • Volume de gás insuflado no balão
  • Frequencia cardíaca (idealmente deve ficar abaixo de 130 bpm)
  • Baixos índices cardíacos (1.2 a 1.4 L/Kg/min) se correlacionam a melhores eficácias.

Complicações:

  • Trombose no sítio de inserção, causando isquemia do membro ipsilateral
  • Embolização arterial à distância, potencialmente complicando com isquemia mesentérica, renal e até mesmo de medula espinhal.
  • Posicionamento incorreto, podendo causar isquemia coronariana
  • Sangramentos
  • Ruptura do balão, podendo ocasionar embolia gasosa (ver ítem abaixo)

Manejo de embolia gasosa:

  • Interrupção imediata do funcionamento do BIA
  • Zerar o decúbito do leito e posicionar o paciente em posição de Trendelemburg invertida (com a cabeça em um nível abaixo dos pés)
  • Retirada do BIA
  • Considerar o uso de ATB a amplo espectro, uma vez que a câmara interna do balão não é estéril.

O que é importante monitorizar

  • Perfusão do membro inferior pelo qual o BIA foi inserido
  • Manter o paciente em anticoagulação a menos que haja alguma contraindicação
  • Padrão neurológico do paciente pelo risco de embolização
  • Monitorar hemoglobina/hematócrito, contagem de plaquetas, creatinina sérica
  • Raio X de tórax diário (a ponta do cateter deve estar posicionado 2cm acima da carina)
  • Atentar para sinais de infecção
  • Evitar mobilizar o membro inferior do paciente a fim de e evitar deslocamento do cateter
  • Volume de gás presente no cilindro do console. É comum haver vazamento de gás hélio do cilindro para o ambiente. Desse modo, é interessante mobilizar a equipe assistente para deixar disponível um segundo cilindro em caso de necessidade de substituição. No caso de troca, a assistência feita pelo balão deve ficar suspensa (modo stand by)

Desmame do BIA:

O desmame deve ser guiado por variáveis clinicas, bioquímicas e hemodinâmicas e geralmente é feito quando a necessidade de suporte inotrópico é baixa.

Pode ser feito com redução a cada 6 a 12 horas da relação de funcionamento do BIA (1:1 à 1:2 à 1:3) ou por meio de redução do volume de insuflação do BIA.

Evidências:

  • Estudo SHOCK II: Estudo publicado em 4 de outrubro de 2012, no New England Journal of Medicine. Trata-se de um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, que alocou pacientes em contexto de choque cardiogênico secundário a infarto agudo do miocárdio para receberem tratamento com uso de balão intra-aórtico ( grupo intervenção, 301 pacientes) ou sem o dispositivo (grupo controle, 299 pacientes). A mortalidade em 30 dias foi de 39.7% no grupo internvenção e 41.3% no grupo controle, sem significância estatística. Não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação ao tempo necessário para a estabilização hemodinâmica, ao tempo de internação em UTI, nível de lactato sérico, tempo de uso de aminas vasoativas e função renal. Também não houve diferenças em relação às complicações: sangramento, isquemia periférica, sepse e acidente vascular cerebral (AVC).
  • Ranucci e colaboradores: Em 2013, Marco Ranucci, um médico pesquisador italiano avaliou o uso pré-operatório de BIA em pacientes com fração de ejeção menor que 35% e que se submeteriam a revascularização miocárdica semi-eletivamente. Foi um ensaio clínico randomizado, unicêntrico que contou com 110 pacientes. Quando comparamos o grupo que fez uso do BIA com o que não fez, não houve diferenças em relação a complicações de pós-operatório: necessidade de ventilação mecânica prolongada, AVC, disfunção renal aguda, mediastinite, mortalidade, necessidade de revisão cirúrgica. Além disso, o uso do BIA não impactou sobre a melhora do índice cardíaco antes ou após a cirurgia.
  • A despeito do baixo nível de evidência, o uso do balão intra aórtico ainda é tido como classe IC de recomendação ela sociedade europeia de cardiologia e como classe IB pelo Colégio Americano de Cardiologia/ American Heart Association

 

Referências: 

  • Intraaortic Balloon Support for Myocardial Infarction with Cardiogenic Shock, Holger Thiele, M.D., IABP-SHOCK II Trial Investigators*, october 4, 2012, The New England Journal of Medicine, vol. 367 no. 14.
  • Randomized Controlled Trial of Preoperative Intra-Aortic Balloon Pump in  coronary Patients with Poor Left Ventricular Function Undergoing Coronary Artery Bypass Surgery, Marco Ranucci, MD, for the Surgical and Clinical Outcome Research (SCORE) Group, Society of Critical Care Medicine and Lippincott Williams & Wilkins, November 2013 • Volume 41 • Number 11
  • What is the optimum method of weaning intra-aortic balloon pumps? Luke Rogersa, Elliott Cochraneb, David Blundellb and Mustafa Zakkara,Interactive CardioVascular and Thoracic Surgery 23 (2016) 310–313
  • Parissis H. Haemodynamic effects of the use of the intraaortic balloon pump. Hellenic J Cardiol. 2007 Nov-Dec;48(6):346-51
  • Krishna B, Zacharowski K. Principles of intra-aortic balloon pump counterpulsation. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain (2009) 9 (1): 24-28.
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