A ciência brasileira faz história com as publicações dos estudos COALIZÃO I, COALIZÃO II e CoDEX.

O grupo de investigadores da Coalizão COVID-19 Brasil vem fazendo história e exaltando o Brasil frente ao cenário mundial com a publicação de estudos multicêntricos nacionais em revistas de grande impacto. O grupo  surgiu da  parceria entre o Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Beneficência Portuguesa de São Paulo, BCRI e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet), junto com o Ministério da Saúde, com o objetivo de realizar pesquisas para avaliar a eficácia e segurança de medicamentos para pacientes com infecção pelo novo coronavírus.

O orgulho nos define e é exatamente sobre estes estudos que vamos discutir a seguir.

 

COALIZÃO I

Pergunta: A hidroxicloroquina, sozinha ou em combinação com azitromicina, é eficaz para melhorar o estado clínico em 15 dias após a internação hospitalar de pacientes com quadros leves e moderados  de COVID-19?

Metodologia: Ensaio multicêntrico, randomizado, aberto e controlado. Inclusão: Idade superior a 18 anos, hospitalizado e com até 14 dias de sintomas de COVID-19 (caso suspeito ou confirmado). Exclusão: uso de > 4l de oxigênio (O2) suplementar por cateter nasal (CN) ou uso de Venturi 40%; uso de cateter nasal de alto fluxo (CNAF), ventilação não invasiva (VNI) ou invasiva; uso prévio de cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina ou qualquer outro macrolídeo por mais de 24 horas antes da inclusão (e desde o início dos sintomas); história de taquicardia ventricular grave ou intervalo QT corrigido (QTc) de pelo menos 480 ms.

Desenho: Três braços: Tratamento padrão X Tratamento padrão mais hidroxicloroquina 400 mg duas vezes ao dia por 7 dias X Tratamento padrão mais hidroxicloroquina 400 mg duas vezes ao dia mais azitromicina 500 mg uma vez ao dia por 7 dias.

Resultado: 667 pacientes foram randomizados, 504 confirmaram COVID-19 e foram incluídos na análise de intenção de tratar modificada. 87,8% foram randomizados com 10 dias de sintomas, média 50 anos, 58% homens, 42% em O2 suplementar, 38,8% dos pacientes eram hipertensos, 19,1% diabéticos e 15,5% obesos. O desfecho primário foi o estado clínico, medido em 15 dias usando uma escala ordinal de seis níveis como segue: (1) não hospitalizado, sem limitações nas atividades; (2) não hospitalizado, mas com limitações nas atividades; (3) hospitalizado e não recebendo O2 suplementar; (4) hospitalizado e recebendo O2 suplementar; (5) hospitalizado e recebendo suplementação de O2 administrado por CNAF ou VNI; (6) hospitalizado e recebendo ventilação mecânica (VM); e (7) óbito. Não houve diferenças significativas entre os grupos nas chances proporcionais de ter uma pontuação maior (pior) na escala ordinal de sete pontos em 15 dias (hidroxicloroquina mais azitromicina X controle: OR 0,99; IC 95%, 0,57-1,73; P = 1,00; hidroxicloroquina sozinha X controle: OR 1,21; IC 95%, 0,69-2,11; P = 1,00; e hidroxicloroquina mais azitromicina X hidroxicloroquina sozinha: OR 0,82; IC 95%, 0,47-1,43; P = 1,00). Não houve diferença em desfechos secundários (status clínico no D7, indicação de intubação, uso de VNI e CNAF em 15 dias, tempo de internação hospitalar, mortalidade hospitalar, complicações tromboembólicas, insuficiência renal aguda, número de dias vivos e livres de suporte respiratório até o dia 15). Pacientes que receberam hidroxicloroquina, sozinha ou com azitromicina, tiveram maior prolongamento do intervalo QT corrigido e elevação de enzimas hepáticas.

Limitações: Estudo não cego; a falta de medicamentos considerados benéficos por médicos e pacientes levou a alguns desvios do protocolo; nos hospitais participantes o uso de hidroxicloroquina mais azitromicina foi generalizado entre os pacientes hospitalizados com COVID-19 dificultando a inclusão e fazendo com que os autores permitissem a inclusão de pacientes que tivessem utilizado as medicações previamente, desde que seu uso prévio, desde o início dos sintomas, fosse limitado a 24 horas; foram incluídos pacientes até 14 dias após o início dos sintomas. Embora a estimativa pontual do efeito não sugira diferença entre os grupos com relação ao resultado primário, o estudo não pode descartar definitivamente um benefício substancial dos medicamentos do estudo ou um dano substancial.

Conclusão dos autores: Entre os pacientes hospitalizados com COVID-19 leve a moderado, o uso de hidroxicloroquina, sozinha ou com azitromicina, não melhorou o estado clínico em 15 dias em comparação com o tratamento padrão. A hidrocloroquina com ou sem azitromicina aumentou o intervalo QT e as enzimas hepáticas.

COALIZÃO II

Pergunta: Adicionar azitromicina ao tratamento padrão, que incluía hidroxicloroquina, melhora os resultados clínicos e mortalidade de pacientes graves internados no hospital com COVID-19?

Metodologia: Ensaio clínico randomizado, multicêntrico e aberto. Inclusão: Pacientes com menos de 14 dias de sintomas de COVID-19 (suspeito ou confirmado), com idade superior a 18 anos e pelo menos um critério de gravidade adicional: O2 > 4 L/min, uso de CNAF, VNI ou invasiva. Exclusão: uso de hidroxicloroquina, cloroquina ou macrolídeos por mais de 48 h antes da inclusão e/ou desde o início dos sintomas, história de arritmia cardíaca ventricular grave ou eletrocardiograma com intervalo QTc ≥ 480 ms e alergia conhecida a qualquer um dos medicamentos em estudo.

Desenho: Intervenção: azitromicina 500 mg (IV, VO ou SE) por 10 dias mais tratamento padrão. Controle:  tratamento padrão sem macrolídeos. Todos os pacientes receberam hidroxicloroquina 400 mg duas vezes ao dia por 10 dias.

Resultados: 447 pacientes incluídos. Após discussão optou-se por analisar exclusivamente os pacientes com COVID-19 confirmados, totalizando 397 pacientes (média 59,8 anos, 34% mulheres, média de 8 dias entre início dos sintomas e randomização, 49% em VM e 23% com choque): 214 no grupo azitromicina e 183 no grupo controle.  O desfecho primário foi o estado clínico, medido em 15 dias usando uma escala ordinal de seis níveis como segue: (1) não internado no hospital; (2) internado no hospital e sem uso de O2 suplementar; (3) internado no hospital e em uso de O2 suplementar; (4) internado em hospital e usando VNI ou CNAF; (5) internado em hospital e em VM ou suporte de O2 por membrana extracorpórea; ou (6) óbito. O desfecho primário não foi significativamente diferente entre os grupos azitromicina e controle (OR 1,36 [IC 95% 0,94–1,97], p = 0,11). Não houve diferença de mortalidade em 29 dias entre os grupos (azitromicina 42% X controle 40%) (HR 1,08 [IC 95% 0,79–1,47], p=0·63). As taxas de eventos adversos, incluindo arritmias ventriculares clinicamente relevantes, parada cardíaca ressuscitada, insuficiência renal aguda e prolongamento do intervalo QTc não foram significativamente diferentes entre os grupos.

Limitações: estudo não cego; a inclusão exclusiva de pacientes graves impediu o extrapolamento dos resultados para populações com doença mais brandas; risco da ausência de diferença entre os grupos ser secundária a um erro tipo 2 já que o tamanho da amostra calculada foi baseada em uma magnitude de efeito maior; o estudo não permitiu avaliar se a azitromicina deveria ser usada como terapia independente para COVID-19 (sem hidroxicloroquina); e 4% dos pacientes do grupo controle receberam macrolídeos.

Conclusão dos autores: Em pacientes graves internados com COVID-19, a adição de azitromicina à terapia padrão que na época incluía uso de hidroxicloroquina, não resultou em melhora clínica ou redução da mortalidade.

CoDEX (COALIZÃO III)

Pergunta: Em pacientes com COVID-19 e síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) moderado ou grave, a dexametasona intravenosa associada ao tratamento padrão em comparação com o tratamento padrão isolado aumenta o número de dias vivos e sem ventilação mecânica?

Metodologia: Ensaio clínico multicêntrico, randomizado e aberto.  Inclusão: Pacientes com idade superior a 18 anos, com COVID-19 e que receberam VM dentro de 48 horas após apresentarem critérios para SDRA moderada a grave. Exclusão: gravidez ou lactação ativa, alergia à dexametasona, uso de corticosteroides nos últimos 15 dias para pacientes não hospitalizados, uso de corticosteroides durante a internação atual por mais de 1 dia, indicação de uso de corticosteroides para outras condições clínicas ou uso de imunossupressor, quimioterapia nos últimos 21 dias, neutropenia devido a neoplasias hematológicas ou de órgão sólido com invasão da medula óssea, recusa de consentimento ou morte esperada nas próximas 24 horas.

Desenho: Intervenção: 20 mg de dexametasona IV por 5 dias, seguida de 10 mg por mais 5 dias ou até alta da UTI. Controle: tratamento padrão.

Resultados: 299 pacientes incluídos (média 61 anos; 37% mulheres). O número de dias livres de ventilação mecânica nos primeiros 28 dias foi significativamente maior no grupo intervenção (6,6 x 4.0; diferença 2.26; P = 0,04). A média do SOFA em 7 dias foi significativamente menor no grupo intervenção (6.1 x 7.5; diferença −1.16; P = 0,004). Não houve diferença significativa nos desfechos secundários pré-especificados de mortalidade em 28 dias por todas as causas, dias livres de UTI durante os primeiros 28 dias, duração da ventilação mecânica em 28 dias ou na escala ordinal de 6 pontos em 15 dias. 33 pacientes (21,9%) no grupo de dexametasona X 43 (29,1%) no grupo de tratamento padrão apresentaram infecções secundárias; 47 (31,1%) X 42 (28,3%) precisaram de insulina para controle de glicose e 5 (3,3%) X 9 (6,1%) experimentaram outros eventos adversos graves.

Pontos fortes: Todos os pacientes foram analisados de acordo com seu grupo de randomização e o acompanhamento foi completo; foram fornecidos dados de eventos adversos relacionados ao uso de corticosteroides entre pacientes com COVID-19, juntamente com dados detalhados sobre parâmetros ventilatórios, tratamento de SDRA e variáveis laboratoriais e fisiológicas.

Limitações: Ensaio não cego; 35% dos pacientes do grupo controle receberam corticosteroides durante o período do estudo; possibilidade de viés na descrição dos eventos adversos e infecções dado pelo desenho aberto do estudo; estudo foi interrompido precocemente devido os achados do estudo RECOVERY limitando o tamanho da amostra original.

Conclusão dos autores: A dexametasona intravenosa associada ao tratamento padrão, em comparação com o tratamento padrão isolado, resultou em um aumento estatisticamente significativo no número de dias vivos e livres de ventilação mecânica por 28 dias.

O que os estudos mudaram em nossa prática?

  1. Não existe evidência de benefício em melhora clínica em 15 dias no uso de cloroquina com ou sem azitromicina para o tratamento de pacientes hospitalizados com COVID-19 (casos leves a moderados). A hidroxicloroquina aumentou a chance de eventos adversos (aumento QTc e de enzimas hepáticas).
  2. Não existe evidência de benefício em melhora clínica e redução de mortalidade na adição de azitromicina ao tratamento padrão de pacientes graves com COVID-19.
  3. Usar dexametasona reduz dias de ventilação mecânica em pacientes com COVID-19 e SDRA moderada e grave.
  4. O uso de dexametasona reduz a mortalidade em 28 dias de pacientes internados com COVID-19 que necessitarem de O2 suplementar ou VM, conforme os achados do RECOVERY (para saber mais clique AQUI).
  5. Após tais achados grande parte dos serviços abandonou o uso rotineiro de cloroquina (com ou sem azitromicina) para o manejo de pacientes com COVID-19.
  6. Todos os pacientes com COVID-19 que necessitarem de O2 suplementar e /ou VM (com ou sem SDRA moderada a grave) deveriam receber dexametasona.

 

Quer saber mais? Acesse nossos posts antigos.

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Texto escrito por Daniere Yurie Vieira Tomotani, médica intensivista pela UNIFESP, mestrado em Tecnologias e Atenção à Saúde pela UNIFESP, pós-graduação em neurointensivismo e em Cuidados Paliativos pelo Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa.
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