Poucas alterações eletrocardiográficas chamam tanto nossa atenção quanto um supradesnivelamento do segmento ST. Não é preciso ter muita experiência para saber que um paciente em contexto precordialgia e supra de ST está infartando, que seus marcadores de necrose miocárdica estão em ascensão e que será necessário algum tipo de terapia de reperfusão, quer seja trombólise ou, de preferência, angioplastia.
Não obstante, algumas alterações eletrográficas são mais sutis e podem passar desapercebidas, mesmo correspondendo a alguma oclusão crítica coronariana. Nesse texto, vamos revisar uma delas, cujo conhecimento é essencial para todos os profissionais que trabalham na linha de frente do cuidado com o paciente grave: a síndrome de Wellens.
A síndrome de wellens é um padrão de ondas T invertidas e profundas ou bifásicas nas derivações V2 e V3. Trata-se de um achado altamente específico de estenose crítica de artéria descendente anterior (DA).
Algumas vezes, esse achado pode ser notado em um paciente oligossintomático ou com marcadores de necrose discretamente elevados. No entanto, eles são considerados de alto risco para infarto extenso de parede anterior. Dessa forma, uma terapia de estratificação invasiva se mostra imperiosa.
A síndrome de Wellens pode se apresentar sob dois padrões eletrográficos:
Tipo A: onda T bifásica, com positividade inicial e negatividade final em V2 e V3 (25% dos casos)
Tipo B: Onda T profundamente invertida e simétrica em V2 e V3 (75% dos casos)
Aventa-se a seguinte cronologia para justificar tais achados: em um primeiro momento, ocorre uma súbita oclusão da artéria descendente anterior (DA). Isso causa uma isquemia anterior e um infarto com supradesnivelamento de ST. O paciente pode referir dor e diaforese. Como esse evento inicial pode acontecer em ambiente extra-hospitalar, muitas vezes ele não é documentado por ECG. Na sequência, ocorre reperfusão da DA, que pode se dar de modo espontâneo ou pelo uso pré-hospitalar de aspirina. Assim, a precordialgia se resolve e o a onda T no ECG se torna invertida ou bifásica. Tal morfologia é idêntica àquela de pacientes submetidos a reperfusão após cateterismo e angioplastia.
Caso a DA se mantenha pérvia, a onda T progride da morfologia bifásica para a de inversão profunda. Não obstante, essa perviedade é temporária e a tendência é que ocorra uma nova oclusão em pouco tempo. No caso de reoclusão, o primeira alteração eletrográfica é uma aparente normalização das ondas T, que se tornam novamente positivas e proeminentes. Essa pseudonormalização eletrográfica, geralmente é acompanhada por recorrência da precodialgia e é um sinal de infarto hiperagudo. Caso a coronária permaneça ocluída, o paciente desenvolverá um supradesnivelamento de ST de parede anterior.
Esse padrão cronológico não é restrito às derivações anteriores e pode ocorrer nas demais derivações, como por exemplo, nas inferiores no caso de comprometimento da artéria coronária direita. Além disso, o evento inicial, não necessariamente é a trombose coronariana. A síndrome de Wellens, pode acometer uma coronária normal, mas que sofreu vasoespasmo, como nos casos de uso de cocaína.
Muito embora as alterações morfológicas da onta T tornem a síndrome de Wellens bem distinta, Alguns diagnósticos diferenciais devem ser feitos: Embolia pulmonar, bloqueio de ramo direito, cardiomiopatia hipertrófica, síndrome de Brugada, hipocalemia, persistência de padrão juvenil de onda T, hipertensão intracraniana.
Referências:
- https://hqmeded-ecg.blogspot.com/
- Rhinehardt J, Brady WJ, Perron AD, Mattu A. Electrocardiographic manifestations of Wellens syndrome. Am J Emerg Med. 2002 Nov;20(7):638-43. PubMed PMID: 12442245.
- Tandy TK, Bottomy DP, Lewis JG. Wellens syndrome. Ann Emerg Med. 1999 Mar;33(3):347-51. Review. PubMed PMID: 10036351.
- de Zwaan C, Bär FW, Wellens HJ. Characteristic electrocardiographic pattern indicating a critical stenosis high in left anterior descending coronary artery in patients admitted because of impending myocardial infarction. Am Heart J. 1982 Apr;103(4 Pt 2):730-6. PMID 6121481