Depois de alguns anos ensinando residentes de terapia intensiva e coordenando serviços na mesma área, percebi que diversos aspectos sobre a intubação traqueal (IOT) não são abordados rotineiramente na literatura formal, podendo levar a alguns equívocos no momento desse procedimento tão delicado.
Portanto, o texto atual não tem a pretensão de realizar uma revisão de literatura, baseada em estudos clínicos randomizados ou em meta-análises. Vamos pontuar dicas simples, práticas e que podem ser cruciais para um desfecho favorável. Em outras palavras, dicas que podem facilitar essa tarefa, tornando-a mais previsível e menos estressante.
Anteveja a dificuldade:
Primeira e mais importante dica: esteja preparado para abordar uma via aérea difícil! Isso significa ter um plano A (intubação orotraqueal); plano B (uso de dispositivo supraglótico) e plano C (acesso cirúrgico à via aérea).
Observe o paciente e faça a anamnese da via aérea. Alguns aspectos anatômicos podem predizer a dificuldade de intubação: pescoço curto, biótipo brevelíneo e queixo retraído.
Procure ajuda:
Sempre avise a outro colega de plantão ou de setor que você irá realizar uma intubação orotraqueal. Se possível, solicite a presença dele durante o procedimento, especialmente se o paciente tiver história de via aérea difícil ou se esta for presumida.
Cuidado com a hipotensão:
Deixe disponível e pronto para infusão, uma solução cristaloide e uma droga vasoativa (noradrenalina). Os pacientes podem apresentar hipotensão grave após a administração de sedativos e, caso não seja tomada essa cautela, o risco de parada cardiorrespiratória (PCR) por mecanismo de hipotensão é iminente. Não tenha medo de usar noradrenalina ou outra droga vasoativa em acesso periférico, mesmo que por um curto período de tempo.
Trabalho em equipe:
Tenha dois acessos calibrosos disponíveis e solicite à enfermagem, testá-los. Não queremos surpresas quando os acessos forem necessários.
Saiba o que está acontecendo:
A monitorização do paciente é fundamental! Cardioscopia, pressão arterial (PA) e oximetria de pulso funcionante (de preferência no membro contralateral ao do manguito de aferição da pressão arterial). Regule automaticamente a aferição da PA não invasiva para cada dois minutos. Atenção especial deve ser dada a esse parâmetro após a administração dos sedativos. Só poderemos atuar de modo precoce e preciso, se soubermos o que está acontecendo com o paciente.
Oxigênio é vida!
Dispondo-se de tempo (cerca de 5 a 10 minutos), oferte oxigênio a 100% para o paciente, seja com ventilação mecânica não invasiva ou dispositivo máscara-reservatório. O objetivo não é ventilar artificialmente o paciente, e sim, deixar que ele mesmo respire, porém com uma fonte de O2 de alto fluxo.
Confira o material:
Cheque todos os dispositivos que irá utilizar. Separe dois tamanhos de cânula orotraqueal. Caso a primeira seja desproporcional para o diâmetro da traqueia do paciente, abra a segunda, de tamanho menor. Tenha disponível a beira-leito, a caixa de via aérea difícil. Se sua instituição não possui uma, providencie! Acredite, isso salva vidas!
Teste o aspirador antes de iniciar o procedimento. Caso o paciente apresente secreção em vias aéreas ou intercorra com refluxo durante o procedimento, o aspirador será fundamental para a adequada visualização das pregas vocais.
Posicione bem: você e o paciente!
O posicionamento do paciente é fundamental! Coloque coxim suboccipital e mantenha o paciente na posição do “cheirador” (sniffing position). O meato acústico externo e o manúbrio esternal do paciente devem estar alinhados no mesmo plano horizontal, com o paciente em decúbito dorsal.
Posicione-se na cabeceira do leito, com a altura do mesmo regulada para a sua ergonomia. Retire a proteção da cabeceira do leito para manter-se próximo ao paciente.
Sequência rápida:
Utilize a técnica de sequência rápida para intubação na urgência ou emergência, especialmente quando o paciente não estiver em jejum. Isso significa utilizar um opioide, um hipnótico e um bloqueador neuromuscular em sequência. O ideal é não ventilar o paciente com insuflação manual entre a administração do hipnótico e do bloqueador neuromuscular. Essa prática, caso seja feita, pode ocasionar distensão gástrica e bronco-aspiração.
Mas fique atento! Não espere o paciente dessaturar para decidir ventilá-lo. A saturação de pulso pode demorar para cair do valor de 100% para o valor de 88%. Mas, partir desse ponto, a dessaturação será vertiginosa! Não tenha vergonha de solicitar ajuda de outro colega. Fica mais fácil ventilar o paciente a “quatro mãos”: uma pessoa responsável por acoplar a máscara ao rosto do paciente e a outra, responsável pela insuflação manual.
Não subestime a eletroquímica:
O equilíbrio ácido-base deve ser levado em ponderado. Por exemplo, caso o paciente esteja em contexto de acidose metabólica, considere a reposição de bicarbonato antes da intubação, mesmo que empiricamente, pois a retenção de gás carbônico (CO2) pode levar à parada cardiorrespiratória por acidose.
Da mesma maneira, atenção especial deve ser dada ao ajuste do ventilador mecânico após a intubação. Se o paciente estava taquipneico previamente à intubação, provavelmente ele estava em acidose metabólica e a frequência respiratória (FR) do ventilador mecânico deverá ser ajustada para um valor mais alto que o usual. A fração inspiratória de oxigênio (FiO2) pode ser ajustada a 100% inicialmente. Em um segundo momento, os parâmetros de FiO2 e de FR serão regulados a partir de exames de gasometria arterial.
Confira seus resultados:
Lembre-se de conferir o posicionamento do tubo. Não existe melhor maneira de se assegurar que o tubo está em posição traqueal, que através da curva de capnografia. Se for pelo método de ausculta, o primeiro local a ser examinado é o estomago. Caso haja dúvida, “peque pelo excesso”, considere que o tubo não está bem alocado e reinicie o procedimento.
Mesmo com a cânula seguramente em posição traqueal, solicite raio X de tórax para conferir sua altura. Ela deve estar posicionada a cerca de 2 cm acima da carina (divisão dos brônquios-fonte direito e esquerdo.)
E finalmente, o procedimento não finaliza com a intubação orotraqueal. Fique ao lado do leito, atento ao ajuste correto da ventilação mecânica e à condição hemodinâmica do paciente.
Saúde, paz e vida longa a todos!
Essa postagem é de autoria de Dr. Eduardo Pacheco, médico preceptor do programa de Medicina Intensiva da Universidade Federal de São Paulo, sócio fundador da PacienteGraveUTI, com revisão de Felipe Cavatoni, médico intensivista, preceptor acadêmico do programa de Medicina Intensiva da UNIFESP, diarista e plantonista do grupo PacienteGraveUTI.