Choque circulatório: o diagnóstico diferencial em suas mãos!

Meu paciente instabilizou! E agora? Como fazer o diagnóstico diferencial do choque circulatório de forma simplificada e não invasiva? 

Imagine que você está em seu plantão. Tudo sob controle e todos os pacientes estáveis. De repente, um paciente instabiliza, por exemplo, se torna hipotenso! E agora? Qual a causa do choque? Qual a importância desta abordagem? Precisamos esclarecer o diagnóstico para proceder ao tratamento adequado. Seria catastrófico tratar, por exemplo, um choque obstrutivo com antibiótico. Nesta hora, não há tempo a perder! 

Neste cenário, a ecografia se torna essencial e com muitas vantagens, pois é uma ferramenta não invasiva, sem efeitos colaterais, de rápida utilização e considerada de fácil aprendizado. 

Devemos lembrar que, classicamente, o choque é dividido em quatro categorias: distributivo, cardiogênico, hipovolêmico e obstrutivo. A seguir, é proposta uma abordagem simples e direta para auxiliar no diagnóstico diferencial. Vale ressaltar que este texto não tem o objetivo de esclarecer medidas objetivas ou cálculos mais aprofundados. Dessa forma, vamos dividir nossa busca pela etiologia do choque em três etapas: ecocardiografia, ultrassom pulmonar e solicitação de alguns exames complementares básicos. 

Ecocardiografia

Janelas básicas: 

Para a avaliação ecocardiográfica do paciente em estado de choque, inicialmente, devemos realizar as janelas ultrassonográficas para a obtenção das imagens do coração. Considerando a realização de um exame rápido e objetivo, sugere-se a aquisição das janelas básicas. Elas já são suficientes para a obtenção dos dados necessários. Seguem, no quadro abaixo, as janelas básicas e como obtê-las (quadro 1). Nas figuras 1 e 2 temos, respectivamente, a posição do probe no paciente e as imagens resultantes das janelas. 

Quadro 1

Figuras 1 e 2

Avaliação subjetiva da função do ventrículo esquerdo (VE): 

No contexto do paciente crítico, muitas vezes as janelas são limitadas para a realização de cálculos refinados. Sendo assim, a análise subjetiva da função cardíaca contribui para o diagnóstico do componente do choque e a resposta evolutiva com o tratamento. Tal análise possui boa correlação entre examinadores, baixa margem de erro, é rápida e simples. A função deve ser classificada entre hiperdinâmico, normal, disfunção leve, disfunção moderada ou disfunção importante. Quando o achado for um padrão hipercinético, uma etiologia de choque distributivo ou hipovolêmico é sugerida. Em contrapartida, quando há uma imagem hipocinética com disfunção de VE, a causa do choque deve ser cardiogênica. 

Avaliação subjetiva do ventrículo direito (VD): 

Quando a alteração encontrada em um paciente com choque súbito for uma disfunção de ventrículo direito, sem outras alterações nas demais avaliações, a hipótese de choque obstrutivo por Tromboembolismo Pulmonar (TEP) é a mais provável. Também é possível afirmar que um paciente em choque, sem causa conhecida, com ventrículo direito de dimensões e função normais, a hipótese de TEP pode ser descartada como a causa do choque. Assim, a análise rápida do diâmetro do VD pode nos ajudar. O VD deve ter no máximo dois terços do diâmetro do VE (relação VD/VE normal é < 0,6). Ou seja, quando as dimensões do VD começam a se aproximar das do VE, ou até as ultrapassam, temos um sinal de sobrecarga de VD. Outro ponto importante é o chamado sinal do D: quando as pressões dentro do VD estão aumentadas e começam a deslocar o septo interventricular para a esquerda, tornandoo retificado, ou até mesmo, em grau mais extremo, o deslocando para dentro de VE (figura 3). 

Figura 3

Derrame pericárdico e tamponamento cardíaco:

O ecocardiograma é o exame de escolha para a avaliação do derrame pericárdico. Revela informações da sua localização, dimensão e repercussão nas câmaras cardíacas (figura 4). O diagnóstico diferencial entre o derrame e tamponamento é essencialmente clínico. Só há tamponamento com repercussão hemodinâmica e choque. Os sinais ecocardiográficos encontrados no choque obstrutivo por tamponamento cardíaco são: 

  • Colapso diastólico do átrio direito
  • Colapso diastólico do ventrículo direito
  • Dilatação da veia cava inferior
  • Sinal do Swinging heart

Figura 4

Sinal de hipovolemia:

Sinal do beijo ou kissing walls é a aproximação quase total das paredes do ventrículo esquerdo ao final da sístole. Este sinal sugere fortemente causa hipovolêmica para o choque. No entanto, também pode estar presente em estados hiperdinâmicos (choque séptico na fase inicial) e casos de miocardiopatia hipertrófica (figura 5)devendo, portanto, ser analisado com ressalvas.

Figura 5

Ultrassonografia pulmonar para o diagnóstico de pneumotórax:

Na realização do ultrassom de pulmão, coloca-se o transdutor em posição perpendicular ao espaço intercostal e visualiza-se duas imagens hipoecoicas, as quais representam as duas costelas que delimitam um espaço intercostal. Abaixo deste espaço, será visualizada uma linha hiperrefringente que é a linha pleural (interposição entre as pleuras parietal e visceral). No US normal de pulmão há o deslizamento pleural, ou seja, o movimento da pleura visceral sob a parietal. Este sinal exclui pneumotórax neste segmento do tórax. O modo M também é muito útil na presença ou ausência de pneumotórax, conforme descrito abaixo: 

– Sinal da areia da praia: com o modo M, na região examinada, ou seja, no referido espaço intercostal, a ausência de pneumotórax cria a imagem de linhas paralelas sobre a linha pleural com a imagem do parênquima pulmonar se movimentando abaixo. Esta imagem do parênquima pulmonar tem o aspecto de uma superfície rugosa ou semelhante à areia de uma praia (figura 6A).  

– Sinal da estratosfera (ou do código de barras): na presença de pneumotórax, como há ar entre as pleuras, a imagem do parênquima pulmonar abaixo não pode ser alcançada pelo feixe de ultrassom. Assim, na tela existe apenas o reflexo sucessivo das linhas paralelas da região acima da linha pleuraldeterminando uma imagem semelhante a um código de barras (figura 6B).

Figura 6

Exames complementares básicos: 

Frente a todo quadro de novo choque é necessária a realização de exames complementares básicos para corroborar o nosso diagnóstico, são eles: 

  • Hb/Ht: para avaliação de condição hemorrágica; 
  • ECG e Troponina: para avaliação de Síndrome Coronariana Aguda 
  • Raio x de tórax: para avaliação de pneumotórax 

O quadro abaixo (quadro 2) resume os achados ao ecocardiograma, US pulmonar e exames complementares para o auxílio no esclarecimento da etiologia do choque circulatório. 

Quadro 2

Nos próximos textos abordaremos aspectos da avaliação objetiva com cálculos específicos para a avaliação da função cardíaca e a monitorização hemodinâmica. Não percam! 

Referências: 

  1. Barros DS, Bravim BA (eds.). Ecografia em Terapia Intensiva e na Medicina de Urgência. São Paulo: Atheneu, 2019. 
  2. Lang RM, Badano LP, Mor-Avi V, Afilalo J, Armstrong A, Ernande L et al. Recommendations for Cardiac Chamber Quantification by Echocardiography in Adults: An Update from the American Society of Echocardiography and the European Association of Cardiovascular Imaging. J Am Soc Echocardiogr 2015; 28(1):1-39. 
  3. Rudski LG, Lai WW, Afilalo J, Hua L, Handschumacher MD, Chandrasekaran K et al. Guidelines for the Echocardiographic Assessment of the Right Heart in Adults: A Report from the American Society of Echocardiography. Am Soc Echocardiogr 2010; 23(7):685-713. 
  4. Perera P, Mailhot T, Riley D, Mandavia D. The RUSH Exam: Rapid Ultrasound in SHock in the Evaluation of the Critically lllEmerg Med Clin N Am 2010; 28(1): 29–56. 
  5. Vieillard-Baron A, Naeije R, Haddad F, Bogaard HJ, Bull TM, Fletcher N et al. Diagnostic workup, etiologies and management of acute right ventricle failure : A state-of-the-art paper. Intensive Care Med 2018; 44(6):774-790. 
  6. Lichtenstein DA. Lung Ultrasound in the Critically Ill. Springer, 2016. 
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